quarta-feira, 3 de março de 2010

Executivos obtêm na Justiça liminar contra regra da CVM

Sócios do Ibef-RJ não terão de divulgar seus salários e demais verbas recebidas das empresas de capital aberto, conforme exigência da autarquia.

Por Nelson Niero, de São Paulo
03/03/2010

O Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças, regional Rio, (Ibef-RJ) conseguiu ontem na Justiça uma liminar que livra os sócios da entidade da obrigatoriedade de divulgação de seus salários e outras remunerações.

A liminar, concedida pelo juiz Firly Nascimento Filho, da 5ª Vara Federal do Rio, suspende os efeitos de um dos itens da Instrução nº 480 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em vigor desde o início deste ano, que obriga as empresas de capital aberto a divulgar o mínimo, o máximo e a média da remuneração paga aos membros da diretoria e dos conselhos de administração e fiscal.

Em sua decisão, o juiz cita os "limites do poder regulamentar do Estado" e afirma que na regra da CVM, autarquia federal que fiscaliza o mercado de capitais, "há afronta indevida ao direito à privacidade dos administradores das empresas de capital aberto, em descompasso com a proteção constitucional".

Nascimento Filho também destaca que em um país "com imensas desigualdades sociais e com alto índice de violência" a divulgação de dados financeiros põe em risco os executivos e seus familiares.

A decisão é válida para os 575 sócios do Ibef-RJ, entre eles executivos de grandes empresas de capital aberto como a mineradora Vale e o grupo EBX, do empresário Eike Batista. A entidade tem associados de outros Estados, como São Paulo e Rio Grande do Sul. A liminar vale para os executivos e para as empresas às quais estejam vinculados.

"O Ibef tem representatividade nacional, com executivos de vários segmentos, principalmente financeiro", diz José Roberto Castro Neves, do escritório Ferro, Casto Neves, Daltro & Gomide, que entrou com a ação. Segundo ele, a intenção não é confrontar a CVM, mas garantir um direito dos sócios do Ibef.

"A entidade reconhece que a Instrução 480 é um avanço em termos de transparência, mas uma das regras agride os interesses de seus filiados", afirma o advogado.

Para Castro Neves, a regra da CVM expõe a intimidade dos executivos, porque no Brasil o salário é um "tabu social", um ingrediente dessa intimidade. "Nos Estados Unidos [onde a remuneração é divulgada], há outra relação com dinheiro, faz parte da cultura protestante."

A questão de segurança também é crucial, segundo ele. "Os legisladores têm que levar em conta a realidade social e cultural do país", diz.

Além disso, Castro Neves afirma que a regra da CVM vai contra determinações da Lei das Sociedade por Ações, com o item que dá à assembleia o poder de escolher se a divulgação vai ser individual ou coletiva.

O advogado argumenta que há uma "colisão de valores": a norma da CVM tem como objetivo a transparência do mercado, o que é louvável, mas ela colide o direito de privacidade. "Entendemos que, neste caso, prepondera o direito à privacidade, que é um valor muito caro para a sociedade brasileira."

A decisão abre um precedente que poderá ser seguido por outras regionais do Ibef, por outras entidades ligadas ao mercado de capitais ou por pessoas físicas.

A regra, que passou pelo processo de audiência pública, está em vigor e cerca de 15 empresas já divulgaram as informações, em grande parte incompletas.

Como a CVM ainda não divulgou o ofício-circular de orientação sobre o preenchimento dos dados, que estava previsto para janeiro, falta padronização e há inconsistências nas informações.

PDG, Bradesco, Romi e Inpar, por exemplo, não incluíram todas as formas de pagamento aos executivos para informar a remuneração máxima, média e mínima. A Inpar e a Hypermarcas informam remuneração média de diretores superior ao gasto máximo. A Natura não havia divulgado a menor remuneração em cada órgão, apenas a maior e a média, mas corrigiu ontem.

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