sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

O líder que literalmente abandonou o barco

Por Vicky Bloch
Professora da FGV, do MBA de recursos humanos da FIA e fundadora da Vicky Bloch Associados


O mundo todo se abalou com a recente notícia do naufrágio do navio Costa Concordia, na Itália. Um transatlântico com mais de quatro mil pessoas a bordo afundando? Hoje em dia? Parecia impensável, mas aconteceu. E por uma bobagem cometida por uma liderança inconseqüente.

Quando comecei a entender o ocorrido, imediatamente remeti o fato ao mundo empresarial.

Francesco Schettino, comandante do navio, ignorou as regras mínimas de risco. Desconsiderou informações. E, mais do que tudo, no auge da crise, reagiu demonstrando que não tinha perfil de liderança. Abandonou o navio quando ainda havia passageiros lá dentro, usou argumentos fracos para justificar sua atitude e, se pensarmos bem, promoveu uma mudança de rota arriscada por um motivo ridículo.

Não foi uma situação emergencial que o fez desviar da rota. Ele simplesmente resolveu fazer uma gracinha com um transatlântico com milhares de pessoas a bordo e deu no que deu.

É possível fazer um paralelo desse caso ao de um CEO de uma empresa que toma decisões ignorando seu meio externo e os riscos que elas implicam - podendo afundar a organização. Um líder jamais pode subestimar um risco, por mais distante que lhe possa parecer. E vejam bem: em 2010, esse mesmo comandante deu uma declaração a um jornal tcheco dizendo que a segurança do passageiro vem acima de tudo. "No navio, deve reinar uma disciplina quase militar. Se aparece uma situação difícil, o comandante deve ter tudo sob controle", disse ele. Me espanta a discrepância entre discurso e prática.

Exemplo emblemático no meio empresarial que ilustra bem esse paralelo com o naufrágio do transatlântico é o caso do Lehman Brothers, banco de investimento que estourou a crise do subprime nos Estados Unidos em 1998. As decisões do CEO à época foram inconsequentes, pensadas no curto prazo, e levaram o banco à maior falência da história americana. Com ele, arrastou outros bancos e levou a uma desconfiança generalizada no sistema financeiro.

Evidentemente existe uma grande diferença do risco nessa minha analogia: no caso do navio, o acidente poderia ter causado uma enorme tragédia com a morte de centenas ou milhares de pessoas caso tivesse ocorrido distante da costa. Já a instituição financeira não colocou a vida de pessoas em risco, mas ainda assim causou um estrago gigantesco: gerou um enorme desemprego e desencadeou uma crise sem precedentes nos EUA e no mundo todo.

Não sabemos os detalhes do episódio do Costa Concordia, mas estou usando essa história para mostrar que, quando um profissional se senta na cadeira de liderança com quinhentas, mil, cinco mil ou quinze mil pessoas abaixo dele. É preciso considerar absolutamente todos os riscos e fazer um plano B para todas as variáveis. E nunca, jamais, fazer gracinhas com a organização.

Será que o comandante tomou essa decisão sozinho? Será que nenhum membro da sua equipe o aconselhou a abortar a ideia de se aproximar da ilha de Giglio? Não sei. Não sabemos se houve desarticulação de equipe, como era a gestão interna das pessoas, se o nível de competência do time estava adequado. Mas sabemos que a decisão foi do líder. Foi, comprovadamente, uma falha humana.

Falha esta que se completou com a atitude covarde do comandante de não voltar ao navio quando ordenado pelo oficial da capitania. "Vá até a proa, suba pela escada de socorro e coordene a evacuação. Você precisa nos dizer quanta gente ainda está lá, se há crianças, mulheres, passageiros, o número exato de cada categoria" - foi a ordem ignorada. Acredito que ele tenha entrado em pânico, perdido o controle emocional, atitude que não pode ser esperada de um comandante. Em uma situação como essa, tem que entrar em cena uma liderança assertiva.

Levanto ainda mais uma lição nessa história que pode ser levada ao ambiente corporativo. Quando profissionais de gestão de pessoas fazem seleção de um executivo, uma leitura que podemos fazer é: em que situação esse profissional saiu das organizações anteriores? Quais foram as condições que ele deixou para trás? Isso pode contar muita história sobre o estilo dele. Se esse executivo tiver abandonado o barco no auge da crise, pode não ser uma boa indicação.