quarta-feira, 17 de março de 2010

E-mail corporativo e espionagem industrial

Rodrigo Sérgio Bonan de Aguiar é sócio do escritório Daniel Advogados
08/03/2010

A Constituição Federal assegura a inviolabilidade do sigilo da correspondência e da comunicação de dados, assim como a intimidade e a vida privada. O texto constitucional confere à União o direito de explorar os serviços de correio em caráter exclusivo. Por isso, a transmissão de dados via internet, feita por meio de servidores, não pode ser caracterizada como troca de correspondência por falta de suporte legal, embora seja comumente utilizada a expressão correio eletrônico ou e-mail.

A matéria, no entanto, ainda suscita controvérsia. Os tribunais passaram a tratar o e-mail de forma análoga à correspondência física, principalmente se o meio de comunicação é o institucional da pessoa jurídica (corporativo). Assim, não haveria que se falar de violação do sigilo de correspondência, pela própria empresa, diante do livre acesso que pode ter do seu conteúdo.

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) vem fixando o entendimento de que o e-mail corporativo é uma ferramenta a serviço da empresa. Por via de consequência, qualquer utilização considerada indevida pode dar margem a punições. O poder diretivo do empregador, estabelecido pela CLT, permite à empresa regulamentar e disciplinar o uso dos recursos materiais disponibilizados para os seus funcionários.

Em 2005, o TST proferiu decisão que culminou com a aceitação de uma dispensa por justa causa de funcionário por divulgar material pornográfico no ambiente virtual da empresa a colega de trabalho. Considerou lícito o fato de o empregador monitorar e rastrear a atividade do empregado no ambiente laboral, em e-mail corporativo, isto é, checar suas mensagens, tanto do ponto de vista formal, quanto sob o ângulo material ou de conteúdo, com forte apoio no direito comparado (RR 613/2000-013-10-00 e AIRR 1130/2004-047-02-40, j. 31/10/07).

A análise de um recurso de revista (RR 9961/2004-015-09-00) em 18 de fevereiro de 2009 foi clara: "se o e-mail é fornecido pela empresa, como instrumento de trabalho, não há impedimento a que a empresa a ele tenha acesso, para verificar se está sendo utilizado adequadamente. Em geral, se o uso, ainda para fins particulares, não extrapola os limites da moral e da razoabilidade, o normal será que não haja investigação sobre o conteúdo de correspondência particular em e-mail corporativo".

Não rara é a utilização indevida do correio eletrônico para fins contrários à própria empresa, quando o empregado transmite informações ou dados confidenciais, sigilosos ou mesmo de caráter restrito no ambiente corporativo. A prática é reprimida pela legislação específica, relacionada à violação do segredo de negócio ou de fábrica, na forma do artigo 195, XI, da Lei nº 9.279, de 1996 - que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial e, sob outro enfoque, mas, com a mesma mens legis, o crime de violação de sigilo empresarial tipificado no artigo 169, da Lei nº 11.101, de 2005, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária.

Para a execução das tarefas nas organizações são oferecidas várias ferramentas além do computador e seus aparatos, dependendo da atividade-fim a ser desenvolvida. Se o empregado tira fotos de máquinas e equipamentos dentro do estabelecimento, sem autorização expressa, resta caracterizada a espionagem industrial, conforme reconhecido pelo TST ao julgar um recurso (ROAR-37/2002-000-12-00.2) em 23 de setembro de 2008 por violação do termo de responsabilidade e contrato de trabalho, o qual demonstrava que o funcionário sabia da proibição da não-divulgação de qualquer tecnologia, informação ou segredo industrial, e que só poderia utilizar no recinto da empresa os materiais por ela fornecidos, inclusive, os relativos à fotografia, aos discos, às fitas magnéticas, entre outros.

A decisão proferida em um outro recurso (RR 2771/2003-262-02-40, de 2 de abril de 2008) considerou falta gravíssima do empregado que repassava segredos comerciais da reclamada para empresa concorrente. Salientou-se que, como assistente de importação e exportação, detinha conhecimentos de segredos estratégicos e táticos da empresa mediante compromisso expresso de sigilo. Foi ponderado que é cediço na doutrina e na jurisprudência que o empregador pode vigiar, impedir e punir atitudes inconvenientes provenientes do uso indevido dos computadores dos seus empregados. Em se instalando o conflito de interesses entre o individual e o coletivo, deve-se privilegiar o coletivo.

Os operadores do direito têm enfrentado as mais diversas questões relativas à tecnologia da informação, envolvendo a rede mundial de computadores e a proteção à transmissão e armazenamento de dados, em especial em um ambiente corporativo.

Salutar e adequada mostra-se a comunicação clara e precisa entre a empresa e o funcionário, desde a sua contratação, sobre a utilização de todas as ferramentas tecnológicas disponíveis. O envio e recebimento de mensagens eletrônicas pelo e-mail corporativo e o acesso à internet, com a possibilidade de causar prejuízos para a organização, inclusive de ordem técnica, como decorrência do volume de dados a ser transportado ou a abertura de arquivos contendo vírus que prejudicam toda a operação, podem e devem ser monitorados pela empresa, dentro do poder diretivo do empregador. Considere-se, ainda, a possibilidade concreta de o conteúdo de algumas mensagens indevidas que fazem apologia às drogas, à pedofilia, à pornografia, à intolerância sexual, religiosa ou racial e a outros crimes ser repassado para funcionários ou para o mundo exterior, gerando graves responsabilidades para o administrador.

Procedimentos internos que incentivam o conhecimento do negócio não devem se distanciar das cautelas necessárias que evitem prejuízos para as partes. O monitoramento além de servir de segurança pode ser também utilizado pelo empregado como evidência de sua produtividade e cumprimento das regras estabelecidas. E, por evidente que todas essas análises se aplicam, se avençado por escrito, aos prestadores de serviço.

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