terça-feira, 2 de março de 2010

Empresas buscam advogados para prestação de contas

Companhias abertas temem sofrer ações de investidores

Laura Ignacio, de São Paulo
02/03/2010
Silvia Costanti/Valor

Os grandes escritórios de advocacia brasileiros e internacionais, que atuam no Brasil, têm desde o início do ano trabalhado, de forma ainda mais cuidadosa, nos dados financeiros das companhias de capital aberto ou que pretendem abrir capital. Isso ocorre em razão da recente Instrução nº 480 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A norma obriga essas empresas a elaborar um formulário de referência, documento que deve ser publicado até 31 de maio de cada ano e ser constantemente atualizado. O objetivo é mostrar aos investidores informações precisas, consolidadas, e praticamente em tempo real, sobre as operações da companhia.

Anteriormente à instrução CVM nº 480, era necessário apenas publicar as demonstrações financeiras e fatos relevantes, anualmente. O prospecto detalhado das operações da companhia só era exigido quando ela ofertava ações ou dívidas no mercado. Agora, além de uma maior exposição das informações financeiras relativas à empresa, há a obrigatoriedade de assinatura dos seus diretores atestando a veracidade dos dados. Assim, diretores e conselheiros passam a sofrer maiores riscos de ações na Justiça por possíveis informações incorretas, imprecisas ou omissões, na esfera civil ou mesmo criminal.

O Barbosa Müssnich & Aragão Advogados já fez mais de dez formulários de referência. "A instrução atribui responsabilidade direta aos diretores, em relação aos investidores, por terem que declarar por escrito que todas informações do formulário são precisas e retratam a companhia com fidelidade", afirma a advogada da banca Camila Goldberg. A Lei das S.A. já impunha responsabilidade aos diretores pelas informações publicadas sobre a companhia. "Mas a instrução relaciona isso diretamente à figura do diretor presidente e de relações com investidores", diz. "E o conselheiro também pode ser responsabilizado, desde que ele tenha dado causa a uma suposta imprecisão."

Divulgar as informações financeiras das empresas com rapidez e precisão é o que tem motivado as companhias a buscarem o Demarest & Almeida. Por enquanto, de acordo com o advogado da banca Thiago Giantomassi, foram feitos oito pedidos de elaboração de formulários de referência. Segundo o advogado, o tempo para sua elaboração completa depende da organização da empresa em relação a seus próprios dados. "Faremos uma atualização anual no fim de cada exercício social, caso a empresa realize oferta pública registrada na CVM, e quando houver alteração em determinados itens relevantes, como a alteração de conselheiro da administração, por exemplo", diz. Após o fato, a empresa tem sete dias úteis para registrar a alteração.

As empresas que procuram o escritório Souza Cescon, Barrieu & Flesch Advogados são movidas pela preocupação com o maior nível de complexidade das informações a serem publicadas. "Antes, elas produziam as Informações Anuais (IAN) e fatos relevantes internamente e pronto", diz o advogado Joaquim Oliveira, do Souza, Cescon. Apesar do maior risco de serem responsabilizadas, ter o formulário de referência bem preparado facilitará o acesso das empresas ao mercado de capitais quando a companhia tiver interesse de fazer uma oferta. "Vai ser muito mais curto o tempo entre a tomada de decisão da oferta e sua realização por conta do formulário", estima o advogado. Atualmente, o escritório faz de 10 a 15 formulários.

Há riscos para a empresa perante a CVM - que vão desde multa até o cancelamento do registro da empresa como companhia de capital aberto - e agora passa a haver mais riscos para os seus diretores no Judiciário perante os investidores, como acontece há anos nos Estados Unidos (EUA). " Fica bem mais fácil para eles serem executados, mesmo o emissor estrangeiro", afirma a advogada Ana Carolina de Salles Freire, sócia na área de mercado de capitais do escritório TozziniFreire. "Estamos falando de ação indenizatória por perdas e danos ou mesmo ação penal por fraude."

Nos EUA, já há condenações e, em sua maioria, acordos entre investidores e diretores de empresas de capital aberto por informações mal prestadas. Este foi o caso dos bônus distribuídos a executivos do banco Merril Lynch, que foram divulgados incorretamente, segundo atestou a Justiça americana em fevereiro. "Com o formulário de referência, as chances dessa jurisprudência começar a existir no Brasil são maiores", afirma o advogado Tobias Stirnberg, do escritório Shearman & Sterling LLP. "Também já há acordos referentes às informações do 20-F, uma espécie de formulário de referência do mercado americano."

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