quinta-feira, 25 de março de 2010

Cofre aberto

Volume de recursos deve crescer acima de 20% com a expansão da economia e o aumento do emprego.

Por Mario Rocha, para o Valor, de São Paulo
25/03/2010

O mercado de crédito conta com o otimismo gerado pelos bons ventos da economia brasileira para projetar um ano de muito consumo e investimento em 2010. Neste ano, não vai faltar demanda nem oferta de crédito, a despeito da expectativa de elevação da taxa Selic nos próximos meses e do recolhimento de depósitos compulsórios anunciado pelo Banco Central em janeiro. As concessões de crédito devem avançar 20,6% sobre o estoque de 2009, numa média ponderada entre uma alta de 19,9% no segmento de pessoa física e de 22,7% para pessoa jurídica, conforme projeção da Federação Brasileira de Bancos (Febraban).

As operações de crédito sofreram um baque com a crise financeira mundial, que teve seu ápice no último trimestre de 2008. O primeiro semestre de 2009 foi marcado por retração no consumo e queda na demanda de crédito. No segundo semestre, segundo o indicador da Serasa Experian, o crédito para pessoa física cresceu 4,5% ante o segundo semestre de 2008, enquanto o de pessoas jurídicas caiu 2,1%. Em dezembro, os bancos já retomavam a média diária de concessões de crédito de antes da crise, em torno de R$ 7,3 bilhões. Em fevereiro, o volume total das operações de crédito atingiu R$ 1,43 trilhão, alta de 0,8% sobre janeiro e de 16,8% em 12 meses.

"A crise foi mais amena no Brasil e o impacto no consumo foi menor. O governo colocou em prática uma política de sustentação de renda e o desemprego quase não aumentou. O setor mais atingido foi o industrial", diz o economista-chefe da Febraban, Rubens Sardenberg. Quem soube tirar proveito foram os bancos públicos, que viram na crise a oportunidade de ampliar seus negócios nesse mercado. De dezembro de 2008 a janeiro de 2010, a participação das operações de crédito dos bancos públicos em relação ao PIB saltou de 13,2% para 18,6%, enquanto para os bancos privados nacionais subiu de 17,2% para 18,0%, e para os bancos estrangeiros houve redução de 8,3% para 8,0%.

"O ano de 2009 foi extraordinário para o Banco do Brasil e 2010 será ainda melhor", diz Ricardo Flores, vice-presidente de crédito, controladoria e risco global do BB. "Com medidas de ampliação de crédito para pessoas físicas e jurídicas, conseguimos elevar nosso 'market share' de 17,1% em dezembro de 2008 para 20,1% em dezembro de 2009", afirma Flores, acrescentando que no período a carteira doméstica da instituição cresceu 35,2% ante uma evolução média de 14,9% no Sistema Financeiro Nacional.

Para 2010, o BB espera um crescimento entre 18% e 23% de suas operações de crédito, numa ponderação entre as projeções para pessoas físicas (entre 27% e 32%) e pessoas jurídicas (de 16% a 21%). As taxas de inadimplência reforçam a estratégia do banco de buscar espaço maior no mercado de crédito. Ricardo Flores diz que, em dezembro de 2009, a inadimplência de pessoas físicas no BB estava em 4,9%, ante 7,8% no sistema financeiro, que é considerado um nível confortável. Para pessoas jurídicas, essa comparação era de 2,9% no BB e de 3,8% no sistema.

O otimismo é acompanhado por executivos de outras instituições financeiras. Eles tomam por base alguns indicadores da economia brasileira, como a expectativa de crescimento do PIB entre 5% e 5,5% este ano. "Na margem, deve crescer mais do que isso. E o crédito cresce mais nessa faixa", diz Sardenberg. Outro indicador foi a criação de 390 mil empregos com carteira assinada no primeiro bimestre, o que levou o Ministério do Trabalho a projetar 2 milhões de novos empregos em 2010. Em fevereiro, a Serasa Experian também registrou o menor número absoluto de devolução de cheques por falta de fundos desde março de 1997, o que configura a volta da normalidade do mercado de crédito ao consumidor. Ainda em fevereiro, a quantidade de empresas que buscaram crédito subiu 11,4% ante o mesmo mês de 2009.

Na Associação Comercial de São Paulo, o economista Marcel Solimeo diz que a base de consumidores só cresce. Segundo ele, o Sistema de Proteção ao Crédito (SPC) registrou, nos últimos três anos, uma média anual de 10 milhões de novos consumidores que nunca haviam consultado o SPC. No setor empresarial, o índice de confiança da indústria medido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) subiu 1,9% entre janeiro e fevereiro deste ano e atingiu 115,8 pontos, o terceiro melhor resultado desde o início da série em 1995.

O ambiente favorável na economia não deixa que uma provável elevação da taxa Selic e o enxugamento de liquidez com o recolhimento dos compulsórios alterem os planos do diretor do departamento de empréstimos e financiamento do Bradesco, Nilton Pelegrino. "Os compulsórios e os juros estão dentro das nossas previsões. No passado, o governo fez a parte dele para ajudar o consumo e flexibilizou o compulsório. Mas isso não iria durar para sempre."

Durante a crise de 2008, o Banco Central deu liquidez ao mercado ao injetar R$ 99,8 bilhões no sistema. Em janeiro, o BC anunciou que vai recolher R$ 71 bilhões. As taxas de juros dos CDBs, por exemplo, subiram no mês de março antecipando-se ao recolhimento dos compulsórios. Mas nada disso parece afetar a oferta de crédito. A previsão do Bradesco para 2010 é de crescimento de 21% a 25% nas operações de crédito para pessoa física e de 25% para pessoas jurídicas, sendo de até 28% para pequenas e médias empresas e de 23% para as grandes. Pelegrino diz que o sistema está líquido e que pelos critérios do Acordo da Basileia, o Bradesco pode ofertar R$ 240 bilhões em crédito este ano.

Na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), há controvérsias quanto ao tema. Nem tanto pelas grandes empresas, que têm à sua disposição outros mecanismos de financiamento além do sistema bancário, como o mercado de captações externas e as ofertas de ações em bolsa de valores.

O diretor do departamento de micro, pequenas e médias indústrias da Fiesp, Milton Antonio Bogus, diz que em decorrência da crise financeira, muitas empresas se viram obrigadas a renegociar suas dívidas. Como a economia voltou a crescer, essas empresas precisaram de mais recursos para atender à demanda. "Isso gerou distorções porque os bancos não concedem um novo crédito às indústrias que estão com uma dívida recém negociada." Ele diz que há crescimento da oferta e demanda de crédito. Mas, o sistema financeiro muitas vezes cobra juros desiguais para uma mesma empresa. "O resultado é que as empresas buscam empréstimo por necessidade e acabam pagando juros predatórios."

Entre os analistas, há consenso na previsão de que o setor imobiliário deverá ser a principal vedete nas operações de crédito. O ano começou com o pé direito, dado o recorde para meses de janeiro no volume de financiamento à casa própria com recursos da poupança. Em janeiro, o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo registrou R$ 2,88 bilhões nessa modalidade de financiamento, superando em 77,3% o resultado de janeiro de 2008, antes da crise financeira, quando o crédito imobiliário vivia um momento de euforia.

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