sexta-feira, 5 de março de 2010

Empresas trocam RH para focar na estratégia

Dança das cadeiras evidencia preocupação em ter profissionais mais próximos do negócio.
Por Roberta Lippi, para o Valor, de São Paulo
05/03/2010

Claudio Belli/Valor

Considerado o guru de recursos humanos da atualidade, o consultor e professor David Ulrich, da Universidade de Michigan, costuma começar suas palestras a profissionais de recursos humanos com a seguinte pergunta: "Hoje, qual é o seu maior desafio no trabalho?" Com muita frequência, as respostas estão ligadas a práticas como recrutamento e seleção, retenção de talentos, liderança e remuneração. Mas logo o guru interrompe e dá sua visão sobre o assunto. Para ele, os desafios do RH devem ser os mesmos desafios da organização: gerar lucro, servir bem os clientes e aumentar o preço das ações. Somente quando tiverem essa visão, acredita o consultor, os executivos de recursos humanos conseguirão medir efetivamente o resultado do seu trabalho e o valor gerado para o negócio.

Essa mudança de paradigma, ainda distante da realidade da maioria das organizações, pode ter se acelerado com a crise, acreditam especialistas ouvidos pelo Valor. E a dança das cadeiras que aconteceu nas altas posições de RH no ano passado é um sinal dessa transformação. Motivadas pela turbulência econômica e pela necessidade de promover mudanças rápidas e ao mesmo tempo estratégicas - corte de custos e de pessoal no curto prazo alinhados a um projeto de crescimento futuro-, muitas empresas trocaram seus líderes de recursos humanos em 2009. Apenas na Egon Zehnder International, consultoria que tem foco no recrutamento de executivos de primeiro escalão, foram sete posições ao longo do ano, frente a quatro em 2008. "Foi um dos anos em que mais fizemos projetos nesta área no Brasil", comenta o headhunter Luiz Giolo. Em 2010, segundo ele, o ritmo de contratações no segmento voltou ao normal.

Uma pesquisa realizada no segundo semestre do ano passado pela Egon Zehnder com 360 executivos de RH de vários países, entre eles o Brasil, também confirma essa tendência apontada pelo professor de Michigan. O levantamento, que envolveu empresas dos setores de tecnologia, bens de consumo, finanças, serviços entre outros, aponta quais são as competências que diferenciam um excelente de um bom líder da área de pessoas. Os resultados mostram que isso está relacionado ao conhecimento sobre a empresa e o negócio em si. "Os RHs com desempenho excepcional têm maior orientação para atingir resultados são agentes de mudança e percebidos pelo grupo como alguém que realmente agrega", explica Giolo.

A segunda parte dessa pesquisa diz respeito à ligação do executivo número um da área de RH com o comitê executivo. O estudo revela que aqueles que ocupam assento nos principais comitês estratégicos da companhia saem à frente por diversos fatores como a oportunidade de trabalhar mais próximos aos seus pares e aprimorar sua capacidade de colaborar. Além disso, têm uma melhor compreensão da tomada de decisão e de determinadas estratégias. Dessa maneira, são hábeis no entendimento das iniciativas de mudança o que os torna agentes mais efetivos no processo.

O mais difícil para os headhunters- e para os presidentes das empresas mais antenados a isso- tem sido encontrar profissionais de tal estofo. Afinal, trata-se de um perfil totalmente diferenciado do papel de recursos humanos do passado e que, de tático, passou a ser estratégico. As buscas giram em torno de dois perfis: gente que já atuava na área e que se esforçou para acompanhar essa evolução; ou executivos de outras áreas que possuem uma excelente capacidade de gerir pessoas. "O problema é que não há pessoas preparadas para assumir esse papel no mercado. Temos recebido muita demanda de empresas nacionais e multinacionais de menor porte por projetos de consultoria para suprir a lacuna deixada por profissionais fracos ou até mesmo para atender a ausência de uma área de RH mais estruturada", afirma Marco Antonio Santana, consultor da Towers Watson.

José Luiz Weiss, diretor de RH da Syngenta para a América Latina e também presidente do grupo de RH Estratégico da Câmara Americana de Comércio (Amcham), é um exemplo de quem veio de fora. Graduado engenheiro de mineração com mestrado em engenharia ambiental, Weiss iniciou a carreira técnica, depois migrou para a área de qualidade e, então, foi parar em RH. Essa mudança aconteceu há 11 anos, quando ele trabalhava na Spal, fabricante da Coca-Cola no Brasil. Passou posteriormente pela Johnson & Johnson e, desde setembro de 2009, é o número um do RH da Syngenta.

O executivo avalia que existe atualmente um "gap" de geração de profissionais de RH no alto escalão. "Ouço sempre os headhunters dizerem que esta é uma das posições mais difíceis de preencher", acrescenta. A vantagem é que, se no passado o RH estava mais para patinho feio do que para cisne no mundo da administração, agora ele começa a ganhar um peso diferenciado e a área tem tudo para atrair talentos nos próximos anos. Em alguns casos, dada essa nova complexidade exigida para a posição, os líderes de RH começam a aparecer discretamente na lista de candidatos a ocuparem os principais cargos no alto escalão e até mesmo a assumirem a presidência das empresas.

Pesquisa realizada pela Towers Watson mostra que, em termos de remuneração, os executivos de RH já estão entre os cinco maiores da alta gestão, acima do que ganham em média diretores de áreas importantes como vendas, marketing e tecnologia da informação. Perdem apenas para executivos das áreas de finanças, trading, industrial e jurídico.

"As empresas estão buscando a identidade que precisam para os seus departamentos de RH", diz a executiva Adriana Rillo, diretora de recursos humanos da Avon Brasil. "É um momento de transformação", afirma. Se no final da década de 1980 os profissionais de RH eram psicólogos que se dedicavam à aplicação de testes de recrutamento, seleção e avaliação, hoje eles precisam entender de finanças, de gestão estratégica e de gestão de mudança. Até mesmo nas funções administrativas, o novo executivo de pessoas precisa ser estratégico, já que questões como assessorar a governança corporativa, arquitetar programas de reconhecimento e recompensa, atuar como conselheiro para assuntos regulatórios e gerir riscos são funções que hoje lhe são inerentes. "Não dá mais para olhar apenas para as pessoas e não defender os interesses da empresa", afirma Adriana, na Avon há três anos.

Essa visão também é fundamental para ganhar o respeito dos seus colegas no trabalho. "Como é que vou querer ter credibilidade junto aos meus pares se não entender de negócios?", questiona a executiva. Formada em psicologia, ela admite que teve de correr para acompanhar - e até mesmo liderar nas organizações - as mudanças no RH.

Marcelo William, diretor de RH da Unilever no Brasil, é outro exemplo de "head" de RH com papel altamente estratégico. Uma das funções que mais ocupa seu tempo no momento, por exemplo, é o processo de transformação pelo qual passa a multinacional no Brasil. "Estamos criando uma cultura de alto desempenho. Assim temos que atingir a excelência na execução e estimular o crescimento pessoal", explica William. "Tenho que entender rapidamente as mudanças no negócio para implementa-las na minha área para que eu atue como um parceiro estratégico."

Não se pode, porém, esquecer que antes de fazer o trabalho voltado com foco no cliente externo, é preciso não descuidar dos serviços básicos de RH. "Ao mesmo tempo em que precisamos ter capacidade de influenciar o board, temos de cuidar da cesta de Natal no fim do ano", diz Adriana, da Avon, que participa do comitê diretivo da companhia.

Henri Vahdat, diretor de capital humano da consultoria Deloitte, divide o cenário do RH no Brasil em três ondas. A primeira, deflagrada no início da década de 1990, foi a da eficiência, em que o RH reviu seus processos internos, adotou novas tecnologias, outsorcing etc. A segunda, veio com busca da eficácia organizacional no final da década de 1990, quando surgiram os centros de excelência em performance, recrutamento e seleção e também em educação, com as universidades corporativas. Os autosserviços de RH também foram criados nessa época, de forma que as principais demandas operacionais de colaboradores ficaram disponíveis e concentradas nos portais corporativos. Já o terceiro ciclo, de acordo com o consultor, foi verificado a partir de 2002 com a chamada onda de criação de valor para o negócio. É o período em que a inteligência e as soluções mais estratégicas aparecem, ao mesmo tempo em que aumenta a guerra por talentos.

Nesta fase, em que ainda vivemos, o RH ajuda as organizações a entrar em novos negócios, a fazer a gestão estratégica de mudança, a adaptar estruturas e integrar culturas depois de fusões e aquisições. Ele garante a atração, retenção e desenvolvimento de talentos e ainda fornecem líderes para as posições-chave na empresa. Conforme as empresas se internacionalizam, acrescenta o Vahdat, o desafio aumenta. "A área hoje não só é parceira do negócio como também deve agir como 'player' nos processos, podendo até mesmo alterar rumos estratégicos", diz.

O momento, portanto, traz grandes oportunidades para os profissionais de recursos humanos, além de desafios para as organizações. "Em 2008 e 2009, as demandas eram por redução de quadros, despesas, benefícios e treinamento. Agora, como sempre acontece quando há o começo de um novo ciclo, teremos novamente uma demanda maior pela atuação do RH", completa o consultor da Deloitte.

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