sexta-feira, 26 de março de 2010

Empresas tentam superar falhas na formação profissional de jovens

Silvia Torikachvili, para o Valor, de São Paulo
26/03/2010

Os jovens, os mais vulneráveis para conseguir empregos em todo o mundo, enfrentam no Brasil uma situação particularmente difícil. O desemprego entre os 16 e 29 anos atinge quase 5 milhões de pessoas, o que representa 60% dos desocupados no país, conforme estudo Instituo de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgado em janeiro.

Os números que constam do estudo "Juventude e políticas sociais no Brasil" chamam a atenção: o desemprego atinge 22,6% entre os jovens de 15 a 17 anos; 16,7% de 18 a 24 anos e 9,5% para as pessoas entre 25 e 29 anos. Com esse quadro, o desemprego nessa faixa etária é três vezes maior do que entre adultos, de acordo com o estudo com base em dados de 2007, é especialmente elevado especialmente elevado (19,8%) o número de jovens que não estudavam nem trabalhavam.

Má qualidade do emprego também é outro destaque: cerca de 50% dos jovens entre 18 e 24 anos trabalham sem carteira assinada, assim como 30% da faixa entre 25 e 29 anos.

Algumas empresas estão atentas à essa situação e atentas às levas de jovens que deixam as escolas públicas em direção ao mercado de trabalho. O Walmart é uma delas. A partir da Escola Social do Varejo, a rede está investindo R$ 3 milhões em 2010 na formação de mais de mil jovens entre 15 e 24 anos. O treinamento é de dez meses e, ao final dos cursos, a contratação pode estar garantida. O Walmart planeja absorver pelo menos 80% desse contingente de jovens nas 100 lojas que deve abrir no Brasil até o final deste ano. "O objetivo do curso é despertar a capacidade de superação dos jovens", explica Paulo Mindlin, diretor de responsabilidade social do Instituto Walmart.

Além do treinamento, as empresas têm em comum uma corrida contra o tempo. Foi somente em meados dos anos 1990 que as políticas públicas para a juventude entraram para a agenda dos governos. Desde então, além da recente oferta de escolas técnicas integradas (150 estão programadas para o Brasil inteiro), há legislações específicas para empresas.

"O Brasil atravessou duas décadas de desemprego juvenil; essas políticas compensatórias nem sempre dão conta da defasagem", afirma Roberto Azevedo, coordenador de trabalho e renda do Ipea . "O jovem que sai da escola pública precisa não só de formação, mas de oportunidade de trabalho decente, caso contrário, vai seguir outros caminhos". Para isso, além de melhorar a escolaridade, é fundamental que haja um mercado mais receptivo, observa Azevedo.

Para capacitar jovens, o programa do Walmart tem parceria com o Instituto Aliança, de Salvador (BA). Em Pernambuco conta com o apoio da Secretaria Estadual de Educação, que garante parte dos recursos, além de infraestrutura. Em Goiânia, a parceria é com o Fraternidade e Assistência a Menores Aprendizes (Fama) onde Claudia Santana, 18 anos, participou de um dos cursos de profissionalização que inspiraram a ampliação da Escola Social do Varejo. Claudia foi contratada, em janeiro, como auxiliar de perecíveis no Sams Clube e está entusiasmada com as perspectivas: "Aqui temos treinamentos constantes e vejo possibilidades de crescer."

Quanto mais suporte e escolaridade melhor. Os brasileiros entre 15 e 29 anos somavam 49,7 milhões em 2007, ou 26,2% da população, segundo a Pesquisa Nacional de Amostragem por Domicílio (PNAD). Em relação a 1998, a escolaridade melhorou: a média de anos de estudo nessa faixa etária era de 6,8 anos; em 2007 subiu para 8,7 anos. Entre 25 e 29 anos, a média está em 9,2 anos de estudo, o que significa 3,2 anos a mais que a média da população que hoje tem mais de 40 anos.

Mesmo tendo aumentado o tempo de permanência na escola, a qualidade da escolarização ainda é bastante sofrível. Os indicadores mostram desigualdades educacionais entre ricos e pobres; brancos e não brancos; áreas urbanas e rurais. Além disso, as pesquisas apontam uma frequência escolar interrompida por abandono, desistência e eventuais retomadas. Na faixa de 15 a 17 anos 50,4% frequentam o ensino médio na idade adequada; outros 44% ainda não concluíram o ensino fundamental. Nas regiões Norte e Nordeste, as taxas de frequência são de 36,4% e 39,6% respectivamente; e sobem no Sudeste (61,8%) e no Sul (56,5%).

A solução para essas interrupções no processo de educação pode ser a formação técnica integrada ao ensino médio, acredita Márcia Morosini, vice-diretora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Ali, as quase 100 vagas por ano seguem uma política de cotas e são oferecidas a alunos que, só com a escola pública, não teriam condições de competir no mercado. "O jovem começa como aluno, mas pode chegar até a pós-graduação e ser um educador, ou optar pela área de análises clínicas, ou trabalhar em gestão de saúde", explica Márcia.

Esse modelo de formação de jovens a partir do negócio principal da empresa é também a abordagem do ReAção, programa da Basf, que desde 2006 passou a integrar a rede pública de ensino de Guaratinguetá , em São Paulo. São 20 escolas da cidade que atendem cerca de 10 mil alunos por ano entre 3 e 14 anos. Eles utilizam sucata e elementos do dia a dia para aprender ciências de uma forma diferente e descomplicada. O menino Paulo do Nascimento, 9 anos, aproveitou o que aprendeu na teoria para montar na prática um ventilador/cortador, que ele explica didaticamente como funciona num vídeo de sete minutos postado no Youtube. A diretora da escola, Silvana Rodrigues, fica encantada com o resultado: "A curiosidade desperta as crianças para experiências surpreendentes."

O ReAção custa um dólar/ano por aluno. Nos quatro anos em que vem desenvolvendo o programa, a Basf investiu perto de R$ 400 mil. Segundo Ivânia Palmeira, coordenadora de comunicação do complexo químico de Guaratinguetá, ainda que os próximos prefeitos eleitos para o cargo não concordarem ou quiserem acabar com o programa, a sustentabilidade do ReAção estará garantida com a contínua capacitação dos professores. "Antes as crianças saíam da quarta série sem saber ler nem escrever", afirma Ivânia. "Hoje competem entre si fazendo experimentos na área da ciência."

Mesmo com todos os programas de capacitação de jovens comandados pelas empresas, e ainda que o governo desenvolvesse políticas públicas que atendessem a todas as demandas, tanto Márcia Morosini, da Escola Politécnica, como Roberto Azevedo, do Ipea, advertem que o problema do emprego não estaria resolvido para todos os brasileiros que terminam o ensino médio.

"Educação pode muito, mas não pode tudo", diz Márcia. "Se a qualidade da formação melhorar, mas o mercado não gerar novos postos de trabalho, e se as empresas não crescerem, os jovens ficarão limitados a empregos de baixa produtividade e baixa remuneração", diz Azevedo. "Por isso, as empresas precisam também estar atentas a uma política sustentável de investimentos e de crescimento."

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