segunda-feira, 15 de março de 2010

Competição e spread folgado seguram juro

Possível elevação da Selic pode causar divisão entre públicos e privados, mas reajustes serão contidos

Fernando Travaglini, de São Paulo
15/03/2010

Se o Copom subir os juros na quarta-feira, pode ter início uma nova polarização entre bancos públicos e privados. A Caixa Econômica Federal não tem intenção de acompanhar uma eventual alta da Selic, hoje em 8,75% ao ano. O Banco do Brasil diz estar preparado para resistir por um tempo sem repassar o custo mais elevado para o tomador final.

A Caixa não pretende alterar as tabelas de suas operações de crédito se a Selic for até 9,5% ao ano. Acima disso, a instituição terá de analisar mais detalhadamente as margens e avaliar, baseado na melhora do cenário de risco e no aumento da renda da população, o quanto consegue manter das taxas. A ideia é subir o mínimo possível.

O BB também fará esforço no mesmo sentido, apostando na melhora operacional que obteve ao longo de 2009 e também na qualidade de sua carteira, em melhor situação do que a média de mercado, mesmo com atuação agressiva durante a crise. Mas o banco admite que ajustes poderão de ser feitos, em caso de alta da taxa básica.

Alheio à disputa, o Banrisul, hoje o maior público estadual, diz que seguirá o mercado. Subirá as taxas se a concorrência o fizer. Durante a crise, o banco do Estado do Rio Grande do Sul não agiu como os públicos federais. Reduziu as concessões e, agora, pensa em agir conforme manda a prudência bancária, diz o diretor financeiro, Ricardo Hingel.

Os bancos médios também não devem subir as taxas num primeiro momento, pois têm mercado a recuperar e estão mais líquidos que os grandes, já que a medida que elevou os depósitos compulsórios não os afetou . Já grandes bancos privados terão uma pressão maior além da Selic. A decisão do Banco Central de retirar parte da flexibilização do compulsório feita durante a crise deve recolher R$ 71 bilhões de seus cofres e pressionar o custo de captação.

Alfredo Setubal, diretor de Relações com Investidores do Itaú Unibanco, disse que a instituição terá, nos próximos meses, de elevar a captação para compensar o aumento no compulsório. "Vamos necessitar de depósitos de (investidores) institucionais para manter nível de liquidez razoável. Um banco desse porte tem de operar com caixa alto. Provavelmente vai haver, na indústria como um todo, uma transferência de fundos para CDB, que vão pagar mais do que os fundos", disse em conferência com analistas e investidores da Apimec do Rio, no início do mês. "As taxas (dos CDBs) vão subir".

Historicamente os bancos não seguram os juros nos momentos de aperto monetário. Ao contrário, a elevação das taxas ocorre antes mesmo do aumento da Selic. Isso ocorre porque a precificação das linhas é feita com base nos chamados índices futuros de juros, negociados na BM&F. E essas taxas respondem à expectativa do mercado quanto ao comportamento da inflação, hoje em alta.

O Swap 360, principal referência para empréstimos precificados para pequena empresa e pessoas físicas, apresenta elevação desde o meio do ano passado, quando passou de um patamar abaixo de 9% ao ano, para os atuais 10,86% ao ano (fechamento de quinta-feira).

Essa puxada nos juros ocorreu no segundo semestre do ano passado, mesmo período em que os bancos concentraram sua recuperação do crédito depois da crise. Os bancos, então, optaram por segurar as taxas para o tomador no fim de 2009. Além disso, havia um espaço no spread que permitiu manter o juro bancário em queda, mesmo com o alta no mercado futuro.

Nos primeiros meses deste ano, no entanto, dados preliminares indicam que os bancos já começaram a remarcar suas tabelas e a história deve se repetir. Janeiro e fevereiro apontam alta das taxas para os clientes, segundo levantamento da Anefac, associação de executivos de finanças, tanto para o consumidor quanto para as empresas.

A elevação ainda é pequena e reflete certa antecipação das instituições financeiras pela atuação do BC, diz Miguel de Oliveira, vice-presidente da Anefac, além de uma correção após a volta do compulsório. "Inevitavelmente os bancos vão acompanhar a alta da Selic, mas é possível que as elevações sejam menos intensas, dada a necessidade de recuperar o espaço perdido com a crise", afirma.

Alguns segmentos do mercado de crédito guardam espaço para avanços menores das taxas, justamente pelo forte aumento do spread de risco durante a crise, diz Oliveira. Olhando os spreads do segmento de pequenas e médias empresas, ainda há espaço para cortes sem afetar as margens.

Durante a crise, os bancos subiram os juros com medo da inadimplência e ainda não reduziram na mesma proporção. Pelos dados do BC, o spread para as empresas ainda está 2 pontos percentuais acima do período pré-crise, mesmo com o recuo da Selic. Na pessoa física, houve redução dos spreads e a margem de manobra é menor.

Oliveira lembra ainda que a inadimplência em queda é um fator que pode contribuir para que os bancos segurem as taxas, pois esse item tem peso importante na composição dos juros. Por fim, há um ambiente hoje de maior competição entre os bancos pela recuperação de fatias de mercado, o que deve contribuir para uma alta menor das taxas como um todo.

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