quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Software nacional sofre com a pirataria

Comércio ilegal de produtos prejudica o desempenho de companhias de pequeno e médio portes

André Borges e Cibelle Bouças, de São Paulo
04/02/2010
Carol Carquejeiro/Valor

A Intelecta Tecnologia não tem a fama das grandes companhias de software. Também está distante do faturamento dessas empresas. Baseada em São Paulo, ela é uma das 8,5mil pequenas companhias de tecnologia do país que brigam todos os dias por espaço no mercado nacional de software. Sem campanha publicitária e contando apenas com 35 funcionários, a Intelecta já conseguiu vender cerca de 70 mil licenças de seu sistema de gestão, o "Empresário", um programa usado na administração de pequenos negócios de varejo. No ano passado, a companhia faturou R$ 3,5 milhões.

Essa estrutura discreta, no entanto, não impede que a Intelecta enfrente um problema vivido há muitos anos por multinacionais como a Microsoft e a Adobe. Recentemente, ao passar pela região da rua Santa Ifigênia, na região central de São Paulo, o proprietário da Intelecta, Carlos Eduardo Mariano, ficou surpreso ao constatar que seu sistema "Empresário" já era um sucesso de vendas nas prateleiras improvisadas da pirataria. O software original, vendido por R$ 699, é negociado a R$ 10. "Eu não acreditava naquilo. O rapaz me oferecia o CD pirata e me dizia que o programa era muito bom, mas que ainda poderia me fazer um desconto", diz Mariano.

Com o apoio da Associação Brasileira das Empresas de Software (Abes), a Intelecta estimou o tamanho do estrago. Para cada cópia original que a empresa vende, outras 50ilegais são comercializadas por piratas. "Hoje vendemos cerca de 250 cópias de nosso produto por mês", comenta Mariano. "Você imagina como as coisas seriam melhores se não sofrêssemos tanto com a pirataria."

A situação enfrentada pela Intelecta tem se alastrado por todo o setor, diz Antônio Eduardo Mendes da Silva, coordenador do grupo de trabalho antipirataria da Abes. "O mais lamentável é que estamos falando de empresas pequenas, que estão em fase de expansão", comenta. "Essas companhias são prejudicadas na fase mais sensível de seus negócios."

Os estragos, em algumas ocasiões, atravessam fronteiras. A Dimensions Software, com sede em São Paulo, fabrica sistemas para cortes industriais de chapas, barras e bobinas. O sistema é vendido em 30 países. A versão pirateada, naturalmente, seguiu o mesmo trajeto. "As vendas em ruas do Peru e do Equador, além do Brasil, são frequentemente relatadas", afirma o diretor de marketing da empresa, Joerly Santos. Ele não tem estatísticas do volume de produtos pirateados, mas estima que seu faturamento seria cinco vezes maior se não fosse o comércio ilegal. Os sistemas da empresa custam entre R$ 500 e R$ 2,7 mil. A cópia falsificada sai por R$ 10 ou R$ 15.

Acuadas, as pequenas empresas tentam se defender como podem. A Folhamatic, sediada em Americana, interior de São Paulo, produz sistemas de gestão financeira e administrativa. Para coibir o comércio das cópias ilegais do produto, ela decidiu mudar o seu serviço de atendimento a clientes. A atitude foi tomada após a companhia notar que muitos de seus clientes que adquiriram o software legalmente também distribuíam cópias piratas do produto com o código de acesso que recebiam para cada licenciamento. "Percebemos que os clientes piratas utilizavam o código do amigo e conseguiam usar o nosso suporte", diz Emerson Oliveira, gerente geral da Folhamatic.

Em 2006, a empresa instalou um sistema que identifica o telefone do cliente e cruza o número com as informações que possui em sua base. "Se o telefone não estiver cadastrado, encaminhamos a ligação para o departamento de controle e pirataria", comenta Oliveira. A Folhamatic tem 9 mil clientes e todos os 19 sistemas que desenvolveu são pirateados. Oliveira calcula que pelo menos 40% dos sistemas da Folhamatic em uso no mercado sejam cópias falsas. No seu caso, a 'concorrência' não está nas bancas de ambulantes; a distribuição irregular é feita por clientes, o que impede a companhia de ampliar as vendas. "Se todas as cópias fossem originais, a nossa receita aumentaria em R$ 12 milhões", diz. No ano passado, o faturamento da empresa foi de R$ 25 milhões.

Na Intelecta Tecnologia, a ferramenta escolhida para combater o mercado paralelo de seus sistemas foi a criação de uma versão gratuita do software. O produto, segundo Francisco Fernandes, diretor de relacionamento e novos negócios da empresa, já está em desenvolvimento e poderá ser baixado no site da companhia. A ideia é que, em vez de comprar um CD pirata, o usuário opte por baixar uma versão básica de seu sistema. "Essa versão gratuita vai funcionar como uma degustação do software", comenta Fernandes. "É uma forma que encontramos de, ao menos, ter um cadastro formal de quem está utilizando o nosso produto. Se ele gostar, passa a ser um forte candidato a adquirir o sistema original."

Hoje, de cada 100 programas de computador usados no Brasil, 58 são piratas. Cinco anos atrás, essa média era de 64. De lá para cá, o volume caiu, mas ainda é considerado alto, quando comparado com países como Estados Unidos (20), Alemanha (27) ou França (41). Em 2008, o mercado brasileiro de software (sem incluir prestação de serviços) movimentou US$ 5,1 bilhões. Desse total, 32,5% referem-se a programas desenvolvidos no país. "Mesmo com toda dificuldade, nunca pensamos em desistir do nosso negócio", diz Carlos Eduardo Mariano, da Intelecta. "Mas é claro que poderia ser bem melhor."

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