segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Sadia foi primeira a revelar o uso de derivativos "tóxicos"

De São Paulo
22/02/2010

A Sadia foi a primeira a divulgar perdas de grande porte com contratos derivativos que, mais tarde, se mostraram disseminados pela economia. Era 25 de setembro de 2008, pouco mais de dez dias após a quebra do banco americano Lehman Brothers. A crise se instalava de vez. O dólar, que já vinha subindo, iniciou uma escalada e terminou 2008 a R$ 2,34. No dia seguinte, a Aracruz também comunicava ter sofrido perdas, que depois chegaram perto de R$ 5 bilhões.

Aos poucos, o mercado descobria que diversas companhias possuíam exposição a tais instrumentos, sendo grande parte delas de médio porte e de capital fechado.

Nunca houve um número oficial que contabilizasse todas as perdas, mas estima-se que no momento mais grave da crise o prejuízo potencial tenha alcançado R$ 30 bilhões. Por essa razão, tais contratos foram apelidados de "tóxicos".

Entre as companhias que também sofreram prejuízos estavam a Votorantim Industrial, com R$ 2,2 bilhões, a sucroalcooleira de capital fechado Santa Elisa , com cerca de R$ 380 milhões, e a varejista do setor têxtil Hering, que conseguiu renegociar as operações com baixo impacto no caixa. O setor sucroalcooleiro como um todo sofreu prejuízo estimado em R$ 4 bilhões.

Os bancos distribuíram essas operações e ofereceram a clientes que não tinham nenhuma exposição à variação cambial e, portanto, não tinham razão para se proteger da volatilidade da moeda. Muitas vezes, estavam vinculadas à concessão de crédito e vinham como forma de redução do custo do dinheiro, que chegava a ficar significativamente abaixo do CDI.

Os contratos que trouxeram perdas expressivas tinham, em sua maioria, um mecanismo que duplicava o compromisso cambial com o banco. Começaram a ser oferecidos em 2007 e se proliferaram em 2008.

O objetivo inicial das empresas que contratavam era ganhar ou se proteger da contínua queda do dólar. Daí a maior adoção por grandes exportadoras como Sadia e Aracruz, que tinham 50% e 95% das receitas atreladas ao dólar, respectivamente. A operação funcionava como uma banda cambial, mas com ganhos limitados e perdas imprevisíveis e ilimitadas.

Na prática, a companhia adquiria o direito de vender dólar ao banco por um preço acima do mercado. Assim, maximizava a receita de exportação, que vinha perdendo com a valorização do real.

Mas havia um teto estabelecido para isso e, caso o dólar subisse e ficasse acima dessa faixa, a empresa era obrigada a vender duas vezes mais dólar ao banco por um preço preestabelecido. Nesse cenário, a companhia acabava tendo que comprar a moeda no mercado por um preço superior ao que venderia ao banco, o que resultava em perda de caixa - não só de marcação a mercado.

A ausência de um banco de dados transparente sobre essas operações gerou pânico no mercado após as perdas anunciadas por Sadia e Aracruz. O cenário motivou os dois principais reguladores do mercado a emitir normas novas.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) passou a exigir que as empresas detalhassem em nota explicativa, nos balanços, a exposição a diversos riscos, com um quadro de sensibilidade - mostrando como as operações se comportariam em três cenários.

Além disso, o Banco Central (BC) e a CVM começaram a exigir o registro desses contratos, principalmente na Cetip. (GV)

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