quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

A evolução do mercado local e a governança corporativa

Marcelo Domingos
Sócio-gestor da DLM Invista Asset Management
E-mail: marcelo@dlminvista.com.br
04/02/2010

A dor do crescimento é assunto muito comum nas consultas em reumatologia pediátrica. Como nosso mercado de capitais reergueu-se, na verdade, nos últimos anos (o Novo Mercado é de 2001!), é adequado esperar algumas dores inerentes ao seu processo de crescimento.

A inspiração nos vem para tratarmos da relação do mercado com um assunto igualmente novo: governança corporativa . O arcabouço institucional brasileiro evoluiu muito e hoje não existe "player" que não concorde que boas práticas de governança têm muita importância.

Historicamente, esse assunto ganha relevância após perdas de muito dinheiro por grande número de investidores. A fragilidade na governança pode detonar uma crise, tal qual a vivida recentemente com os subprimes. Também em 2007 e 2008 diversas companhias viram-se contaminadas pelo baixíssimo "disclosure" de suas operações. Eram empresas com estruturas de governança que, em princípio, atendiam às condições exigidas.

Os resultados vindouros nos dirão o quão aderentes as empresas são às boas praticas, como transparência, responsabilidade social e ambiental. É bonito dizer, mas vai analisar... Na maior parte das fusões e aquisições, por exemplo, erra-se ao majorar as sinergias. Outros valores não estarão sendo superestimados?

A governança suporta-se nas práticas de divulgação com padrões contábeis mundialmente estabelecidos, nos mecanismos de dispersão do capital e em direitos fundamentais como o tag along, em caso de alienação de controle. Falar em governança é falar em credibilidade. Isso tem seu preço, mas não diferencia empresas e nem garante eficácia. Ou seja, governança é pré-requisito, mas não determina uma decisão de investimento. É preciso que a companhia tenha algum diferencial relevante em processos, produtos, estrutura de capital ou gestão.

Seguindo a definição da própria Bovespa, "a valorização e a liquidez das ações são influenciadas positivamente pelo grau de segurança oferecido pelos direitos concedidos aos acionistas e pela qualidade das informações prestadas". A questão hoje não reside mais no arcabouço institucional, mas na particularidade de cada companhia. Aqui está o erro da massa de investidores: apoiar-se somente no pacote "standard", que vem com nível diferenciado de governança, auditoria e departamento de relações com investidores. São pontos fundamentais e que deveriam bastar, mas não bastam.

Um caso elucidativo é a combinação de propriedade com gestão. A elevada concentração patrimonial familiar, característica de grupos privados brasileiros, é um dos maiores desafios existentes. Nesse ambiente, os conselhos de administração podem contribuir, pois agregam membros independentes representantes dos minoritários e funcionam como fórum de "checks and balances" para a diretoria da empresa.

Um outro ponto é o custo de capital ou taxa desconto. A metodologia de fluxo de caixa descontado considera que a geração de caixa potencial de cada empresa é descontada por uma taxa de risco ajustada à companhia. Com esse método, é possível observar efeitos da governança sobre a redução da taxa de desconto. Então, quanto mais imbuída dos princípios da governança, maior a valorização potencial das ações, pois são descontadas a uma taxa menor.

A investigação da qualidade da estrutura particular de cada companhia com ações listadas é pré-requisito do ato de investir. Apoiar-se somente em classificações de mercado é ineficiente, podendo ser comparado a qualquer decisão de investimento baseada unicamente em análise por múltiplos como preço/lucro ou qualquer fórmula simples que garanta sensação de conforto a investidores menos qualificados.

Voltando ao consultório pediátrico, pode-se lembrar que já existe vacina para quase tudo, mas ainda não foi inventada uma fórmula contra tombos e machucados. Aprende-se compreendendo as causas que levaram ao tombo, para não repetir a queda.

Talvez os exemplos infelizes assistidos nos últimos anos sirvam exatamente para aprendizado. Já se avançou muito, e o arcabouço institucional é cada dia melhor. Mas ainda estamos em um processo natural de desenvolvimento de um mercado tão jovem. Uma empresa que não está considerando a governança em breve compreenderá sua importância e capacidade de agregação (ou preservação) de valor A adaptação virá do próprio mercado. Crescer dói...

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