segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Caso da Sadia expõe riscos da profissão de conselheiro

Governança: Profissionais exercem pouco função de fiscalizar a administração executiva.

Por Graziella Valenti, de São Paulo
22/02/2010

Rogério Pallatta/ Valor

Desde que os episódios com derivativos começaram a pipocar, a atuação dos conselheiros de administração foi parar na vitrine. A discussão em torno das responsabilidades e dos riscos da profissão só aumentam. A expectativa é que a acusação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) aos membros do colegiado, por conta das perdas financeiras, desperte ainda mais atenção para o tema.

"Os conselheiros são guardiões do patrimônio dos acionistas", afirma Alexandre Di Miceli, coordenador do Centro de Estudos em Governança (CEG). "Mas, infelizmente, ainda hoje vemos muita desinformação a respeito das responsabilidades envolvidas nessa atuação."

No Brasil, foi apenas nos últimos anos que cresceu o debate sobre o papel do conselho de fiscalizar a administração. Até então, a atuação desse profissional era de recomendações para as grandes linhas de estratégia do negócio.

Nos Estados Unidos, explica Di Miceli, a discussão ocorreu no compasso inverso. Até o fim da década de 90, o foco era totalmente de fiscalização. Foi a partir de 1997 que sugiram os primeiros debates de governança indicando que esses profissionais também deveriam agregar valor ao negócio.

Jairo Saddi, coordenador de direito societário do Insper (ex-Ibmec São Paulo), não é tão otimista quanto à mudança no cenário da profissão. "A formação de um conselho de administração ainda é, na maioria dos casos, uma ação entre amigos. As pessoas sentem-se honradas com um convite desses."

Ele vê questões culturais importantes a serem superadas, como a necessidade de se conviver com críticas e questionamentos mais profundos. "O diabo mora nos detalhes."

A despeito do resultado prático que o caso da Sadia possa gerar na atuação dos conselhos, os especialistas entendem que a atuação da CVM é procedente.

Para Di Miceli, é muito importante que o regulador exponha a situação. Saddi, por sua vez, avalia tratar-se de discussão a respeito de uma possível culpa extra-contratual dos conselheiros, já que o dever de diligência é previsto pela Lei das Sociedades por Ações.

O especialista em direito vê, inclusive, riscos de que o debate continue no Judiciário, após se encerrar na CVM - que cuida da esfera administrativa do problema. "Caso vá para a Justiça, há chance de que os conselheiros sejam solicitados por acionistas minoritários a reparar o prejuízo. A maneira de consertar a culpa nesses casos é por reparação."

Vale destacar, porém, que o Brasil não tem tradição de questionamentos judiciais por minoritários, como há nos Estados Unidos.

Roberto Faldini, um dos ex-conselheiros da Sadia acusado pela CVM, entende que o órgão está cumprindo seu papel. "A gente vai aprendendo." Quando questionado sobre a receita para atuar em conselhos, não titubeia: "Vigilância, vigilância, vigilância."

"Tudo deu perfeitamente errado ao mesmo tempo", afirma ele, sobre o episódio dos derivativos. Faldini não acredita que a profissão ficou mais arriscada. Para ele, os deveres continuam os mesmos.

Alcides Tápias, que está na lista da CVM apesar de ter encerrado sua participação na companhia em dezembro, também não sente maior pressão sobre a profissão. "Só precisamos que a gestão das empresas esteja preparada para fornecer o que é necessário."

A ação de fiscalização do conselho de administração está prevista, inclusive, na Lei das Sociedades por Ações. O colegiado por fiscalizar a gestão dos diretores, examinar os livros e solicitar informações sobre contratos celebrados.

Uma das bandeiras mais recentes do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) é o desenvolvimento de ferramentas que permitam a avaliação da atuação dos conselheiros. Para o instituto, deve haver um acompanhamento anual desse tipo.

Di Miceli pondera que os ganhos que a Sadia apresentava na linha financeira deveriam ter despertado a atenção dos conselheiros para esse tema.

Ainda que nunca tivessem ouvido falar nos derivativos, deveriam ter questionado o cumprimento da política e a quais riscos a empresa estava exposta se o cenário econômico se modificasse drasticamente.

O especialista em governança destaca que mesmo a existência de comitês específicos não diminuem a responsabilidade de fiscalização do conselho.

No caso da Sadia, havia um comitê financeiro e um de auditoria, para assessorar o colegiado. Cassio Casseb, Everaldo Nigro dos Santos, Walter Fontana Filho e Roberto Faldini compunham o órgão dedicado às finanças. Francisco Céspede, Roberto Faldini e José Marcos Konder Comparato formam o núcleo dedicado à auditoria.

Para especialistas, esses profissionais responderão à CVM duplamente, já que os membros de tais órgãos, quando previstos pelo estatuto da empresa, respondem como administradores.

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