quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Formação falha de mão de obra ameaça a competitividade

Edson Pinto de Almeida, para o Valor, de São Paulo
03/02/2010
Ruy Baron/Valor

O Brasil precisou de uma década e meia para ampliar em dois anos a média de estudo da população com mais de 15 anos. De acordo com dados do IBGE, de 1992 a 2008, esse número saltou de 5,2 anos para 7,4 anos, abaixo ainda dos oito anos estabelecidos pela Constituição - e agora dos nove anos da educação fundamental, de acordo com a nova legislação. Acelerar esse processo com qualidade é um dos grandes desafios do país que pretende ser a quinta economia do mundo nos próximos anos.

"A conta pelo descaso com a educação está sendo paga com pelo menos 30 anos de atraso", afirma Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira, presidente da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan). O apagão de mão de obra assusta mais do que o desemprego. A falta de engenheiros, por exemplo, é apenas um dos sinais de que o país precisa agir rapidamente para não aumentar o prejuízo e comprometer o futuro.

Embora os efeitos do problema ganhem visibilidade na ponta do ensino superior, especialistas no assunto avaliam que as causas estão na ponta de baixo, a começar pela educação infantil. Mesmo com os avanços dos últimos 16 anos, há muito que se fazer. "Somente em meados da década de 90 conseguimos universalizar a presença das crianças de 7 a 14 anos nas escolas. Foi muito tarde, mas ainda assim é algo a ser comemorado", diz o economista e educador Cláudio de Moura Castro. "Contudo, reprovação e repetência continuam muito altas na transição da quarta para quinta série e altíssimas na oitava série e no médio. São das mais altas do mundo."

O acesso de crianças de zero a três anos às creches saltou de 7,6% em 1992 para 18,1% em 2008. O ideal seria estar em 30%. A taxa de frequência dos alunos do ensino médio aumentou de 18,2% para 50,4% nesse mesmo período. Mas 56,2% dos alunos não concluem na idade adequada o ciclo da educação básica.

Segundo a professora da Unicamp, Maria Helena Guimarães de Castro, ex-secretária de Educação do Estado de São Paulo, pesquisas feitas nos Estados Unidos e na Europa demonstram que oferecer uma pré-escola de qualidade é a melhor garantia para o desenvolvimento e desempenho das crianças sobretudo nas faixas de menor renda. Hoje, a taxa de frequência de alunos das famílias mais pobres na primeira série é de 55,4%, mas cai para 36,4% na oitava série, com alto grau de repetência.

A educação acaba sendo um espelho da desigualdade social do país. Segundo análise do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), enquanto a população mais rica apresenta tempo médio de escolaridade de dez anos, os mais pobres não superaram a faixa de cinco anos. O professor de economia do Insper (ex-Ibmec), Eduardo de Carvalho Andrade, especialista no assunto, explica que há um impacto direto do tempo de escolaridade sobre a remuneração. "Um ano a mais de escolaridade representa um ganho médio de 15% no salário", diz. "O efeito é o mesmo na produtividade das empresas", diz.

Essa é mais uma prova de que educação é um bom investimento e produz retorno - até maiores, segundo Moura Castro, do que os recursos aplicados em capital físico. No Brasil, em proporção ao PIB, os investimentos alcançam 5%. "Em cinco anos, avançamos o equivalente a 1% do PIB e aumentamos o orçamento do MEC de R$ 20 bilhões para R$ 50 bilhões", informa o ministro Fernando Haddad, lembrando que o país está muito próximo da média de 6% do PIB ostentada pelos países da OCDE. Mesmo assim, ele defende aumentar esse valor. E comemora os R$ 8 bilhões a mais que entrarão este ano com o fim da Desvinculação de Receitas da União (DRU) para a educação.

Para alguns especialistas, o problema maior não é tanto o volume total investido, mas a forma como é aplicado. "Na média mundial há países gastando menos e conseguindo resultados bem melhores", diz Moura Castro. Para Andrade, do Insper, a composição do gasto é equivocada. "Gasta-se mais com educação superior do que com a educação básica", afirma. Segundo relatórios da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a educação básica no Brasil recebe a metade dos recursos do que investem Chile, México e Argentina.

Haddad explica que mesmo nos países da Europa gasta-se mais com ensino superior "porque é mais caro". Em 2003, o investimento público por aluno no Brasil era de R$ 12 mil no ensino superior e de R$ 1,2 mil na educação básica. "Essa diferença caiu de dez para seis vezes em 2008", informa o ministro. Os R$ 12 mil por aluno foram mantidos no ensino superior, mas o investimento per capita na educação básica subiu para pouco mais de R$ 2 mil. "Estamos perto da média da União Europeia, onde essa diferença é de cinco vezes", diz Haddad. O Brasil tem 52,5 milhões de alunos na educação básica e cerca de 6 milhões no ensino superior.

Para os especialistas, o foco deve ser dirigido para a sala de aula. "A prioridade é melhorar o ensino nas séries iniciais. Tudo o mais ou é consequência ou será espontaneamente resolvido quando tivermos uma educação fundamental de qualidade", diz Moura Castro. Programas internacionais de avaliação comparada como o PISA colocam o Brasil nas últimas posições em relação ao ensino de matemática, ciências e português. " Ainda temos crianças analfabetas na quarta série " , lembra Maria Helena Guimarães de Castro.

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