segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Gestão de pessoas

Ex-coach da equipe de Bill Clinton fala do engajamento dos funcionários na esfera pública e privada."É mais fácil trabalhar em prisões do que no governo"

Por Paola de Moura, do Rio
01/02/2010

Silvia Costanti/Valor

Trabalhar com funcionários públicos americanos foi mais difícil do que atuar com os detentos da prisão de Detroit. Assim, Michele Hunt, coach de executivos em grandes multinacionais e autora do livro "Dreammakers Fazedores de Sonho", definiu o desafio de atuar na equipe de Bill Clinton. Seu objetivo era reinventar a forma de trabalho dentro do governo americano.

No início de sua carreira, nos anos 70, Michele foi a primeira mulher a trabalhar dentro de uma cadeia masculina nos EUA. Em 1978, quando tinha 29 anos, foi promovida a diretora de assuntos sociais de um presídio na região oeste de Detroit. Lá, desenvolveu vários programas com os presos. Ela organizou um sistema tripartite para tomar decisões, do qual participavam funcionários, presos e voluntários da comunidade.

Depois de uma carreira meteórica na Herman Miller, multinacional que desenha e fabrica móveis de escritório, foi escolhida pelo então presidente recém-eleito Bill Clinton, em 1992, para trabalhar em sua equipe de transição. Tornou-se diretora-executiva do Instituto Federal dos EUA, entidade gerida pelo vice-presidente Al Gore. O objetivo era criar um governo que funcionasse melhor e custasse menos.

Ela afirma que mudar a cultura do funcionário público, que por anos trabalha da mesma forma e com o mesmo padrão, é muito difícil. "Eles eram muito resistentes", conta. Para ajudar no trabalho com o governo foi necessário trazer os chamados gurus da administração para dar palestras, como Peter Senge e Jack Welch. O exemplo serviu para, aos poucos, mudar a mentalidade das equipes.

A diretora introduziu no governo americano o pensamento que desenvolveu no tempo em que atuou na iniciativa privada, no comando do departamento de pessoas na Herman Miller. Ele defende que todo o staff tem que ter o mesmo objetivo e respeitar a visão do consumidor -naquele caso, a do cidadão americano. Todos têm de estar envolvidos no trabalho: funcionários, clientes, parceiros e comunidade. "A visão é nossa bússola. Os valores são nosso leme". Michele acredita que "quando as pessoas estão mobilizadas em torno de uma visão convincente, compartilhada e enraizada em valores, e dispostas a contribuir, elas criam o extraordinário."

A escritora cita como exemplo de sucesso no governo o projeto criado para acelerar as pesquisas e o desenvolvimento de drogas para o tratamento da Aids. "Naquela época, cientistas trabalhavam isoladamente da indústria farmacêutica. E nós percebemos que isso levaria 30, 40 anos para dar algum resultado". Assim, as duas partes foram unidas em grupos de pesquisa e passaram a dialogar e a trocar dados para produzir resultados mais rapidamente. Isso permitiu o aperfeiçoamento de uma extensão de remédios que hoje sustentam e melhoram a qualidade de vida dos portadores do vírus.

O alinhamento da equipe tem de ser total e, para isso, ela precisa estar a par dos processos, dos sistemas, das políticas, das decisões e do comportamento. Dessa maneira, os funcionários são reunidos em times com empregados dos mais diversos níveis da empresa para trabalhar lado a lado e dividir ideias e projetos. A comunicação, por sua vez, é uma ferramenta essencial para que o staff se adapte e acredite na liderança.

Além disso, é necessário um bom sistema de mensuração que acompanhe o progresso financeiro, o engajamento dos empregados, a satisfação do cliente e a responsabilidade social da equipe. É necessário ainda que todos tenham um aprendizado contínuo. "Será por meio de novas habilidades e competências que o funcionário atingirá a visão previamente desenhada".

Michele afirma que para motivar talentos nem sempre são necessários altos salários. Ela própria recusou um emprego que pagaria cinco vezes mais no início da carreira para trabalhar na Herman Miller. Em suas palestras, costuma apresentar um texto de Dee Hock, fundador e primeiro presidente da Visa, que diz que "dinheiro não motiva as melhores pessoas, nem o melhor das pessoas. Ele consegue alugar o corpo e influenciar a mente, mas não se pode tocar o coração ou mover o espírito, que é reservado para crenças, princípios e ética."

Além de trabalhar com grandes clientes, como IBM, Motorola, Nasa ou Banco do Brasil, Michele também atua em comunidades e organizações assistenciais. No Brasil, veio conhecer o Comitê para Democratização da Informática (CDI), de Rodrigo Baggio, uma ONG que leva computadores às comunidades de baixa renda. O objetivo da organização é promover a inclusão social, a cidadania e o empreendedorismo por meio da capacitação em tecnologias da informação e comunicação.

O encontro com Baggio aconteceu em um curso em Oxford. Ele se identificou com a teoria dos "dreammakers" e apresentou a Michele seu projeto. "Fiquei muito impressionada. Já estive em países pobres de todos os continentes e nunca tinha visto nada parecido", diz. Por isso, na segunda edição do livro no país, prevista para junho, o único caso será o do CDI. "Os brasileiros não precisam aprender com os outros. Têm uma excelente história aqui para servir de exemplo".

A própria Michele poderia servir de exemplo do que a segregação e a falta de oportunidade podem gerar. Nos anos 60, sua família foi a primeira a morar numa base militar americana. Seu pai era da Força Aérea e morou em vários estados do sul do país, na época, um dos mais segregacionistas.

Quando criança era chamada pejorativamente de negra pelos colegas da escola e professores. Mas seu pai, "um dreammaker", como ela diz, a fazia repetir diariamente em frente ao espelho: "eu sou saudável, sou feliz, sou bonita, sou inteligente e sou amada". Ela conta que, ao ser ofendida, lembrava do tal mantra. Foi assim que começou a ter os primeiros insights para formular a teoria do "dreammakers".

Para Michele Hunt, qualquer trabalho só é gratificante quando o funcionário participa da criação dos valores da empresa

Michele não gosta de ser chamada de consultora. De acordo com ela, sua missão é ser uma "catalisadora". "Quero ajudar as pessoas a transformarem suas organizações, sua comunidades e até mesmo a sociedade como um todo."

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