quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

CVM faz parceria com a Polícia Federal e promete fechar o cerco contra ilícitos

Xerife do mercado ganha reforço

Por Janes Rocha e Tatiana Bautzer, do Rio e de São Paulo
20/01/2010

Um acordo de cooperação técnica entre a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a Polícia Federal (PF) deve reforçar a capacidade da autarquia para combater ilícitos do mercado de capitais. O procurador-chefe da CVM, Alexandre Pinheiro dos Santos, disse que o acordo com a polícia está na fase de cumprimento de formalidades burocráticas e deve ser oficializado em breve.

Pinheiro explicou que a parceria dará para a CVM a possibilidade de se valer mais rapidamente de técnicas de investigação e instrumentos modernos e efetivos na prevenção e no combate a ilícitos que estão à disposição da PF, como a escuta telefônica e outros mecanismos de detecção e coleta de dados e informações.

"Em se tratando, por exemplo, de um caso que envolva um ilícito administrativo e penal, como é o caso do 'insider trading', a CVM poderá, no âmbito da sua especial coordenação com o Ministério Público Federal (MPF) e com a Polícia Federal, auxiliar esses dois órgãos na obtenção de um decisão judicial autorizando escuta telefônica, que poderá trazer elementos importantes tanto para o processo administrativo como para o processo criminal", disse.

"Insider trading" é o jargão em inglês para o uso de informação privilegiada na negociação de ações de uma companhia e é crime no Brasil desde 2002.

O convênio com a PF se somará ao que a CVM já tem desde 2006 com o Ministério Público e que permitiu, pela primeira vez no Brasil, o bloqueio de bens e o desmonte de operações irregulares com ações antes que os acusados realizassem o lucro. Foi em 2007, quando foi bloqueada a liquidação de uma operação com ações da Suzano Petroquímica às vésperas do anúncio da aquisição da companhia pela Petrobras, e das empresas do grupo Ipiranga, poucos dias antes do anúncio de sua compra por um consórcio formado por Braskem, Petrobras e Ultra.

O acordo de cooperação com a PF inclui também troca de informações, cursos de prevenção de ilícitos e treinamento de equipes em ambas as instituições.

A necessidade de uma parceria entre o regulador do mercado de capitais e a Polícia Federal ficou evidente com o caso Agrenco, empresa do setor de agronegócios hoje em recuperação judicial. A companhia abriu o capital em outubro de 2007, quando a PF já investigava acusações contra os principais executivos da empresa, o que, porém, não era de conhecimento do público nem da CVM. Meses depois do lançamento de papéis da Agrenco na bolsa, executivos da companhia foram presos na Operação Influenza, da PF, sob acusação de estelionato, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, entre outros, causando grandes perdas aos investidores.

O reforço da CVM em sua atividade de supervisão, fiscalização e da capacidade de repressão de irregularidades tomou mais importância com a efervescência do mercado financeiro nos últimos anos, com grande número de fusões, aquisições e reorganizações societárias de companhias.

O bloqueio das operações com Suzano e Ipiranga foi um marco para a superintendência de relações com o mercado e intermediários (SMI) da CVM, encarregada do trabalho de identificar, buscar indícios e produzir os relatórios que dão subsídios para os processos, julgamentos e punição de irregularidades.

O superintendente da área, Waldir Nobre, afirmou que o impedimento à operação só é possível porque a transferência de recursos financeiros da negociação em bolsa ocorre três dias após o fechamento da transação. Mesmo assim, nos casos em que ocorreu, demandou trabalho no fim de semana dos advogados para pedir liminares à Justiça e bloquear o pagamento pela Câmara Brasileira de Liquidação e Custódia (CBLC).

"Quando a gente pede a suspensão da liquidação para o juiz, é porque tem muita certeza de que o investidor usou informação privilegiada", conta Nobre.

O superintendente da CVM acredita que os casos de "insider trading" nos quais os investidores não viram a cor do lucro fazem com que os que pretendem usar as informações privilegiadas sejam mais "cuidadosos". Segundo ele, em outros casos a CVM chegou a avaliar a medida, mas não pediu a suspensão por não estar certa da existência de uso de informação privilegiada.

Encarregada de buscar indícios de "insider trading", a SMI trabalha com a verificação retroativa da atividade de todas as ações envolvidas em operações societárias nos dias anteriores ao anúncio de determinada transação.

Sua equipe de 75 pessoas (somando as áreas de fiscalização e acompanhamento de empresas) inicia a investigação a partir do anúncio de operações dentro de um ritual padrão, que começa com o recebimento dos mapas de negociação fornecidos pelas bolsas. Cada investidor que negociou os papéis tem o seu histórico investigado. Se um nome nunca negociou papéis da empresa e entra no mercado dias antes do anúncio de uma transação, é quase certo que entre para a "malha fina" da CVM. A investigação prossegue com os pedidos formais de indicação, pelas empresas, das pessoas que tinham acesso à informação antes do anúncio oficial.

Além da leitura de jornais e monitoramento de fóruns de discussão de investimentos na internet, a equipe da CVM conta com um sistema automático de alertas de movimentações atípicas com ações. O sistema tem padrões históricos de volume, número de negócios e oscilação média diária para todos os papéis listados.

A gerência de acompanhamento de mercado em São Paulo monitora os 60 papéis do índice Bovespa e a do Rio, as demais ações, menos líquidas. "Para cada ação temos padrões de como sua oscilação se relaciona com a do índice, média de negócios etc. Qualquer desvio do padrão histórico provoca um alerta", conta Nobre. O sistema gera em média de 10 a 15 alertas diários, 3 dos quais relativos a ações do índice Bovespa.

O indício de irregularidade é maior quando há desvio nos três critérios de análise do sistema. "Muito trabalho de averiguação não dá em nada", conta Nobre. Por vezes os desvios ocorrem por volatilidade do mercado ou notícias que afetam setores inteiros. Por exemplo, quando há anúncios graduais da extensão do programa do governo federal Minha Casa Minha Vida, de estímulo à habitação de baixa renda, para o setor de construção civil.

Há ainda movimentos de carteiras de grandes investidores que não têm nenhuma relação com o conhecimento antecipado de informações relevantes.

Para este ano, a CVM trabalha no aperfeiçoamento do sistema eletrônico com a integração de bancos de dados para aumentar o número de variáveis disponíveis para sofisticar a análise.

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