terça-feira, 20 de abril de 2010

O refugiado que virou empresário

Patrick Lo fugiu da China de Mao para criar, no Vale do Silício, a fabricante Netgear

Cibelle Bouças, de São Paulo
19/04/2010

Carol Carquejeiro/Valor

Guanghzou, também conhecida como Cantão, é uma das cidades mais importantes da China, com um PIB de US$ 118 bilhões. Por séculos, sua pujança econômica foi alvo de disputas por persas, árabes, portugueses, ingleses, japoneses. Mas para Patrick Lo, fundador da Netgear, as lembranças da cidade são também de momentos difíceis.

Patrick Lo nasceu em Guanghzou no ano de 1955. Em 1962, seus pais decidiram fugir da China, então sob o regime maoísta, em busca de um lugar que oferecesse liberdade de expressão. Para ter mais chances de sucesso na fuga, eles decidiram se separar e Lo foi enviado para a casa de uma tia em Macau (colônia portuguesa reintegrada à China apenas em 1999).

Em Macau, onde passou o restante da infância e fez o ensino fundamental, o garoto teve contato com sua primeira paixão: o rádio. " Toda noite, às oito horas, a família se juntava diante do aparelho para ouvir a radionovela em português. Era impressionante ver como éramos felizes em Macau, enquanto na China não, porque não havia rádio, nem liberdade " , diz ao Valor o executivo-chefe da Netgear, especializada em dispositivos de conexão à internet.

Após essa fase, Lo passou mais três anos em Hong Kong, morando com os avós, enquanto fazia o ensino médio. Nessa época conheceu a TV, ainda em preto e branco. " Assistir TV era caro. Então, só na quinta-feira à noite juntávamos a família e vizinhos para ver a programação. Era um evento " , diz.

Para muitas pessoas, vivências desse tipo tornam-se lembranças queridas, mas para Patrick Lo esses momentos determinaram sua escolha profissional. " Desde muito cedo percebi que só a tecnologia era capaz de influenciar a vida de milhões de pessoas. Meu objetivo sempre foi criar tecnologias que pudessem mudar a vida das pessoas, sobretudo as mais simples. "

O interesse levou Lo a estudar engenharia eletrônica nos Estados Unidos. No fim do colegial, ele conseguiu uma bolsa para estudar na Universidade Brown, em Rhode Island, em 1975. As condições financeiras eram precárias, mas ele conseguiu se formar e voltar para Hong Kong, com uma meta específica: reencontrar a namorada do colegial, com quem está unido até hoje. " Voltei para me casar, claro " , ri. Em Hong Kong, obteve o primeiro emprego como engenheiro, na Hewlett-Packard (HP), mas logo foi convidado para integrar a equipe da companhia no Vale do Silício, nos EUA, onde permaneceu até 1995.

Em seguida, começou a trabalhar na Bay Networks, onde, com apoio da direção da companhia, criou a Netgear, especializada inicialmente na produção de roteadores. " A Nortel comprou a Bay em 1998 e não demonstrou muito interesse pela Netgear, então busquei recursos e comprei a empresa " , conta Lo.

Ao longo dos anos, a companhia ampliou o portfólio com a produção de switches (equipamentos que encaminham o tráfego das informações na rede), placas de rede, pontos de acesso e controladores sem fio. No início do ano, a empresa lançou nos Estados Unidos um adaptador sem fio para conectar o computador à TV, produto cujo lançamento no Brasil está previsto para este semestre.

Hoje, a Netgear é uma das maiores companhias do segmento, com presença em 65 países. Listada na Nasdaq desde 2003, a empresa encerrou 2009 com receita líquida de US$ 686 milhões, queda de 8% em relação ao ano anterior, e lucro líquido de US$ 23,7 milhões, ante US$ 33 milhões em 2008.

No Brasil, a Netgear iniciou as vendas em 2007. No ano passado, vendeu no país em torno de 150 mil roteadores. A expectativa é de que o volume dobre neste ano. " O Brasil, assim como a Índia e a China, deve apresentar um forte crescimento de demanda por tecnologia " , afirma Lo. Para as vendas globais, o executivo estima um crescimento de 40%, retomando a média de crescimento anual observada antes da crise financeira global.

De acordo com o executivo, a expansão de vendas no Brasil, acima da média global, também se deve à ausência de competidores locais. " Na China, por exemplo, a concorrência é forte e o volume de vendas é muito mais alto, o que justifica a existência de uma fábrica no país " , diz. Ele observa também que há uma diferença significativa nos preços. Enquanto no Brasil um roteador é vendido por um valor próximo a R$ 90, na China o equipamento custa o equivalente a R$ 50.

Mas não foram só as vendas crescentes e a um patamar de preço mais alto que estimularam Patrick Lo a fazer sua primeira visita ao Brasil. O empresário avalia a instalação de uma fábrica no país para atender o mercado latino-americano. " Vamos dar um passo de cada vez. Primeiro, vamos melhorar a logística de vendas para, em seguida, instalar a fábrica, se as vendas mantiverem o ritmo previsto " , observa. Hoje, os produtos vendidos no Brasil são importados da China, onde a empresa possui fábrica desde 2003.

Além do Brasil, o executivo avalia a possibilidade de reforçar os investimentos na Índia. Entre os países do BRIC, diz, o único mercado sobre o qual continua reticente é a Rússia. " Nasci na China e conheço aquele país. Também entendo a Índia porque tem semelhanças com Macau " . No caso do Brasil, há um carinho especial devido ao português. " Já a Rússia, para mim, é um país estranho " , afirma.

Embora tenha tido contato com a língua portuguesa na infância, Lo não lembra do idioma. " Falo mandarim, cantonês, inglês e japonês. Mas português é muito difícil " , afirma. O executivo continua a visitar regularmente os países onde já viveu, por conta dos negócios. Em relação à terra natal, vê pouca possibilidade de um retorno definitivo. " Existe muita censura no país. Não tenho vontade de viver lá na condição atual. Ainda devo morar nos EUA, com minha família, durante um bom tempo. "

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