sexta-feira, 9 de abril de 2010

Gastronomia espiritual.A comida que se transforma em oração

Em visita ao Brasil, o chef budista Toshio Tanahashi mostrou o que é uma gastronomia espiritual.A comida que se transforma em oração

Por Marli Olmo, de São Paulo
09/04/2010

Gustavo Lourenção/Valor

Moer o gergelim no " suribashi " é o momento ideal para meditar, conectar-se com Deus e com tudo o que é sagrado

O alimento não é uma fonte de prazer, mas de disciplina e respeito com todos que integram a cadeia que propiciou a produção daquela planta

São 20h30 de uma sexta-feira. Dia típico para reunir amigos para jantar em casa. Nesta noite, porém, há um clima de expectativa e mistério no ar. A refeição prestes a entrar em cena não foi preparada para satisfazer o apetite, mas à alma. Todos estão a postos para degustar iguarias da "Shôjin Ryôri", espécie de gastronomia espiritual, tradicional nos nos templos budistas do Japão, mas pouco conhecida até em Tóquio.

A anfitriã da noite é a empresária Chieko Aoki, executiva que comanda a operadora hoteleira Blue Tree. Chieko tem motivos para estar agitada. Afinal, o chef conhecido pelos artigos publicados na Vogue e pelas aulas de culinária na Universidade de Kyoto, está na cozinha do seu apartamento.

O chef Toshio Tanahashi também está apreensivo. Ele aceitou o desafio de misturar a culinária budista, baseada nos vegetais, com ingredientes típicos do Brasil. Para a missão, Tanahashi e os dois ajudantes que ele trouxe do o Japão contam com o apoio de Shinya Koike, chef e proprietário do restaurante Aizomê, em São Paulo.

Chieko cuida de cada convidado como se fosse um parente próximo. Ela quer ter certeza de que todos já experimentaram alguma das novidades que começam a ser servidas no coquetel. Quem já provou o "goma-dofu", espécie de tofu feito com pasta de gergelim, recomenda a quem estiver por perto.

Parecido com um flan, o goma-dofu é não apenas a especialidade de Tanahashi como o exemplo mais didático para explicar o estilo do chef budista. O delicado e saboroso cubo de cerca de cerca de cinco centímetros é preparado no "suribashi", um utensílio redondo, de cerâmica raiada, que serve de pilão. Nele o gergelim vai sendo moído, pouco a pouco, até virar uma pasta.

Para qualquer cozinheiro, é um trabalho de esforço manual e paciência. Para Tanahashi, é muito mais. Moer o gergelim no "suribashi" é o momento ideal para meditar, conectar-se com Deus e com o que é sagrado. Na "Shôjin Ryôri", que no ideograma japonês significa culinária do progresso do espírito, não se mata para comer.

Mas isso não quer dizer que qualquer prato vegetariano se encaixa. Além de eliminar carne e peixe, a principal mensagem dessa culinária, que chegou ao Japão com o budismo, no século VI, é não fazer do alimento uma fonte de prazer, mas de disciplina e, acima de tudo, de reverência e respeito com tudo e todos que integram a cadeia que propiciou a produção daquela planta, semente ou fruta.

Chegou o tão esperado momento do jantar. Antes, porém, o chef, que até então não havia saído da cozinha, aparece, vestindo um terno cinza prata, para explicar como foram preparados os pratos e agradecer. Mesmo com a ajuda de intérprete, o discurso sairia com mais leveza não fosse a dificuldade em pronunciar palavras como pupunha, maracujá e cará.

Nesta noite de encontro com iguarias brasileiras e também com parte da comunidade japonesa do país, Tanahashi abriu exceções: permitiu aos outros chefs incluir um pouco de carne e peixe. Assim, "pedindo desculpas ao chef", os ajudantes espalham pela mesa do bufê travessas de peixe, carré de cordeiro e costela de tambaqui ao molho de maracujá.

A maior parte dos comensais não se sentiu constrangida em depositar sushis e sashimis ou outros pedaços de carnes no prato. Mas nada disso conseguiu tirar o brilho do astro da noite: o goma-dofu. A iguaria que desfilara em pequenos pratinhos durante o coquetel é repetidas vezes elogiada também durante o jantar.

Já acomodados às mesas na varanda do elegante apartamento, no bairro dos Jardins, os cerca de 60 convidados - na maioria integrantes da colônia nipônica, começam, então, a se encantar com os pratos preparados com cenoura, berinjela grelhada, pupunha caramelizada, alga cozida. Assim citado, o elenco de espécies do mundo vegetal pode até parecer sem graça. Mas quando manuseado com técnica e princípios do "Shôjin Ryôri" adquire sabor único, especial. Se transforma em delícias até para o paladar dos mais carnívoros.

Os convidados de Chieko repetem muito mais vezes os pratos com vegetais do que com sushis. Tanahashi sorri ao ver que, de forma mágica, os brasileiros que, para ele, têm muita sorte de viver num país tão propício à plantação, se entregam aos prazeres das verduras. Estariam todos prontos para a meditação não fossem as generosas doses de saquê, vinho e uísque esparramados em taças e copos durante a animada noite.

Na hora da sobremesa, além de frutas como seriguela, cupuaçu, graviola e cajá manga, surge um cheesecake de tofu com molho de frutas vermelhas, além do maior ato de coragem da noite: tapioca com sorvete de matchá (o chá verde usado na cerimônia do chá) com sorvete de feijão azuki.

Tanahashi é capaz de usar em pratos para o fim das refeições ingredientes que a maioria dos mortais colocaria longe do cardápio de sobremesas. Em dois jantares abertos ao público, no restaurante Kinoshita, na véspera da reunião na casa de Chieko Aoki, Tanahashi ofereceu doce de ervilha como sobremesa.

A proposta ganha sentido à medida que a culinária "Shôjin Ryôri" busca respeitar o sabor de cada ingrediente, além de ser extremamente econômica no uso de açúcar e sal. Foi nesses jantares abertos ao público que ele serviu também pratos como creme de tomate e abóbora com quiabo, milho verde grelhado com cogumelo, ervilha torta e creme de cará sobre arroz, além de tempurá de manga com pasta de gergelim e mandioquinha. O corpo agradece tamanha fartura de vegetais. Aos 48 anos de idade, Tanahashi aparenta menos de 35 e tem uma pele impecável.

O flan de gergelim também foi servido no Kinoshita, com a ajuda dos braços da equipe do restaurante paulistano. E igualmente arrancou elogios. Mas no jantar na casa de Chieko Aoki, pareceu mais saboroso. O próprio Tanahashi acordou cedo para prepará-lo com o ritual sagrado de costume.

Nascido em Kumamoto, Tanahashi passou três anos como aprendiz no templo Gesshinji, na província de Shiga. Foi ali que aprendeu os princípios da "Shôjin Ryôri". A comida vegetariana faz parte da rotina dos templos porque a meditação requer uma boa digestão. Mas, além disso, prevalece uma postura de gratidão à natureza e aos homens que ajudaram na produção dos alimentos. O ato de comer também se baseia no respeito de poder alimentar as células. É proibido também o uso de máquinas, como batedeiras, porque a prática budista rejeita a preguiça e enaltece a disciplina e esforço manual. "Não posso manejar Deus com uma máquina", diz o chef.

Tanahashi poderia ter sido um monge. Mas escolheu o caminho da culinária. "Se eu me tornasse um monge a imagem do monge seria mais forte; e eu não poderia transmitir a verdade da maneira como eu gosto de fazer com a cuilinária", completa. Assim, nas mãos e na alma do chef japonês a comida se transformou no instrumento da oração.

Falante e sorridente, o chef da culinária budista está longe de fazer o estilo sagrado. No comando da cozinha, ele usa um yukata (traje típico) com estampas alegres . Nos eventos sociais, camisa e paletó elegantes e óculos descolados. Há até três anos ele era o dono de um restaurante de culinária "Shôjin Ryôri" no elegante bairro de Omotesando, em Tóquio. Segundo conta, decidiu fechar o estabelecimento por entender que 15 anos foi tempo suficiente para comandar um restaurante. Hoje, além de se dedicar a dar aulas de arte culinária em Kyoto, ele transita pelo mundo para divulgar sua filosofia.

Fora dos templos, essa culinária é pouco conhecida. Mesmo em Tóquio, uma das metrópoles com maior diversidade gastronômica, são poucos os restaurantes que oferecem a culinária budista, segundo os chefs. Trata-se de um tipo de comida cara porque é feita de modo artesanal, seguindo os princípios religiosos. O jantar servido no Kinoshita custou R$ 160 por pessoa. O cardápio é sempre definido pelo chef no dia. Em média, ele usa 35 tipos diferentes de verduras, tentando sempre respeitar a estação do ano e dar preferência aos produtos orgânicos.

O chef diz que os hábitos alimentares no Japão receberam muita influência dos Estados Unidos depois de o país ser derrotado pelos na Segunda Guerra. "Antes dos peixes, os japoneses se alimentavam de vegetais e verduras. Hoje em dia, as pessoas estão doentes porque se alimentam mal. Mas a comida que satisfaz o corpo também pode ser gostosa", afirma o chef, que na passagem por São Paulo também deu uma aula para estudantes de gastronomia da Universidade Anhembi-Morumbi.

A mudança de hábitos é o que o chef pretende pregar hoje. "Na culinária ocidental, o vegetal é coadjuvante, mas na 'Shôjin Ryôri' ele é protagonista. É preciso muito tempo e trabalho para transformar o vegetal em protagonista", afirma. "Mas só com a experiência do budismo eu me transformei em um verdadeiro japonês. Em qualquer lugar do mundo posso dizer que sou um verdadeiro japonês.".

Isso não quer dizer que Tanahashi seja um vegetariano radical. Ele aceita a inclusão de carnes em pratos que, obviamente, não foram preparados por ele. Mas, no discurso na casa de Chieko, ele pede para que as pessoas comam mais vegetais. " Quando vi os produtos no Brasil imaginei que as pessoas que comem essas verduras são tão vivas quanto elas. "

Ele próprio se dispõs, aliás, a experimentar coisas que podem parecer um sacrilégio aos adeptos da " Shôjin Ryôri " . Mas o chef budista que circula em cidades como Paris e Nova York precisa ao menos conhecer o que se come fora dos templos.

Logo que chegou ao Brasil, para a semana de apresentação da "Shôjin Ryôri " , evento promovido pela Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e Asistência Social, Tanahashi experimentou e gostou do pão de queijo. Sabores mais fortes estavam, porém, ainda por surgir. Na véspera dos jantares, o chef foi até o Mercado Municipal da Cantareira para buscar ingredientes e ali provou o famoso lanche de mortadela. Também degustou carnes em uma churrascaria.

Shinya Koike, que o acompanhou, conta que tanto no caso da mortadela como dos cortes da churrascaria, o chef japonês só provou um pouco. Achou tudo forte demais para comer em grandes quantidades.

Tanahashi se encantou com o mercado brasileiro. Ele diz que no Japão, na maior parte das cidades, os vegetais estão confinados nos supermercados. As verduras, em Tóquio, por exemplo, não contam com espaços tão generosos como os peixes encontram no famoso mercado Tsukiji.

A manga no Brasil lhe pareceu bem mais robusta que as que aparecem em Kyoto. Ele não conhecia pupunha e decidiu testar o palmito brasileiro em uma de suas sobremesas. Deu certo, principalmente pela delicadeza como ele depositou pequenos pedaços do vegetal sobre molhos de frutas. Mas o que mais o impressionou foi o caqui. "Quando vi essa fruta no hotel pensei que era um enfeite".

Quando sentiu a textura e o sabor do caqui ele não teve dúvidas e criou um novo prato para servir no coquetel na casa de Chieko: Shriae, um preparado de caqui, maçã e uva, temperado com pasta de gergelim, mostarda japonesa e tofu. A iguaria sustenta uma oração budista para as refeições: "Tomamos este bom medicamento para salvar nossos corpos do enfraquecimento".

Um comentário:

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