quinta-feira, 13 de maio de 2010

A culpa é dos algoritmos?

Alex Ribeiro é correspondente em Washington
E-mail: alex.ribeiro@valor.com.br

13/05/2010

Hoje completa uma semana do colapso do mercado acionário de Nova York, mas as suas causas exatas ainda continuam um grande mistério. O maior suspeito são as ultrarrápidas ordens de compra e venda de ações emitidas por computadores, sem a intervenção humana. Há, de fato, alguns problemas sérios com esses programas. Só que é ilusão achar que os mercados financeiros conseguirão viver sem eles.

Na quinta-feira passada, o índice Dow Jones Industrial caiu mil pontos, o que equivale a um tombo de algo como 10%. O pano de fundo, do ponto de vista macroeconômico, era o risco de a crise fiscal grega se espalhar para outros países da Europa. Alguma força desconhecida, porém, fez com que as engrenagens da mercado acionário entrassem em pane, e os preços de algumas ações terminaram negociadas por valores ínfimos. As ações da Procter & Gamble, por exemplo, chegaram a cair mais de 30%.

Cerca de 60% do mercado acionário americano se move pelas chamadas operações algorítmicas de alta frequência. São programas de computadores que rodam fórmulas matemáticas sofisticadas para descobrir quando vale a pena comprar ou vender ações e outros ativos. As ordens são transmitidas em altíssima velocidade, sem intervenção humana, e uma ação pode ser vendida logo em seguida à compra.

Há duas grandes tribos no mercado financeiro. Uma delas são a dos fundamentalistas, ou seja, analistas que estudam balanços e outros dados econômicos para escolher as ações que tendem a se valorizar. De outro lado, ficam os matemáticos, físicos e outros entendidos, que usam dados do próprio mercado, como preços e volumes negociados, para identificar papéis que estão muito baratos ou prever uma tendência de alta ou de baixa do mercado.

É um trabalho admirável. Nos cursos introdutórios de finanças se aprende a teoria de que os mercados financeiros são eficientes. Todas as informações disponíveis sobre as economias e as empresas são conhecidas e já estão nos preços. Os movimentos de alta e baixa das ações são sempre aleatórios e imprevisíveis, pois ocorrem ao sabor das novas notícias. Na prática, porém, sabe-se que os mercados não são tão eficientes e, portanto, é possível prever para onde caminham os preços do mercado financeiro.

O hedge fund americano Renaissance, por exemplo, administra cerca de US$ 15 bilhões e, durante três décadas, proporcionou retornos médios anuais de 40% para seus clientes com o uso de computadores e ferramentas algorítmicas. O livro "The Quants", do jornalista Scott Patterson, lançado recentemente nos Estados Unidos, e que ainda não está disponível em português, conta como vários especialistas em criptografia ajudaram o Renaissance a decifrar padrões de alta e de baixa de preços de ativos. Mensagens criptografadas, afinal de contas, parecem apenas códigos aleatórios, mas na verdade dizem alguma coisa. Outro grupo que integra o time do hedge fund são os especialistas que desenvolvem programas de reconhecimento de fala. Tipicamente, esses programas armazenam sons e, com base nesses dados, procuram prever o que vai ser dito em seguida.

Mas, se a coisa é tão bem feita, o que deu errado? O economista Rajiv Sethi faz um diagnóstico bastante coerente em entrevista a esta coluna. Ele é professor de finanças na Universidade de Columbia, em Nova York, mas atua em linhas de pesquisa bem distintas, como economia do comportamento. Um dos seus trabalhos é sobre a intimidação de testemunhas de crimes.

Ele diz que os chamados algoritmos funcionam bem apenas se forem usados pela menor parte do mercado. "Se a maioria dos operadores está tomando decisões com base em análises fundamentais, o mercado tenderá a ser mais estável", afirma Sethi. Nessa situação, os algoritmos identificam e tomam carona nas tendências ditadas pelos fundamentalistas. "Se muita gente usa programas de computador para prever os movimentos de mercado, os riscos de instabilidade são maiores." Nessa situação, o risco é que os algoritmos apenas reajam os ruídos feitos por outros algoritmos.

"Esses programas foram muito lucrativos no passado, por isso hoje representam uma grande parte do mercado." Não há muito a fazer contra esse fato, já que é virtualmente impossível identificar e limitar o uso dessas ferramentas algorítmicas. "Quando uma bolsa recebe uma ordem de compra ou de venda, não dá para saber se ela foi gerada por um ser humano ou por um computador."

Mas dá para criar incentivos que obriguem os investidores a corrigir suas estratégias. "Um jeito é deixar os investidores sofrerem grandes perdas", afirma o economista. A Bolsa de Nova York e a Nasdaq fizeram justamente o contrário, ao cancelar negócios fechados com preços muito baixos.

O colapso do mercado levou alguns especialistas a defender que o governos joguem areia nas engrenagens do sistema. Uma taxa sobre as transações, por exemplo, poderia obrigar os investidores a ficar mais tempo com as suas ações. Sethi pondera, porém, que a negociação rápida é importante para corrigir desequilíbrios de preços. "O debate está muito focado na mecânica dos negócios, na automação, escala e velocidade", afirma. A mecânica dos negócios não é exatamente o problema, mas sim as estratégias de negociação, que deveriam ser mais apoiadas em análises fundamentais.

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