segunda-feira, 7 de junho de 2010

STJ isenta PriceWaterhouseeCoopers

Auditores acusados de omissão no caso do desvio de US$ 242 milhões do banco Noroeste são absolvidos

Cristine Prestes, de São Paulo
07/06/2010

A PriceWaterhouseeCoopers venceu mais uma etapa de uma disputa que se arrasta há mais de dez anos no Poder Judiciário. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) absolveu três de seus auditores em um processo penal aberto contra eles por gestão temerária e omissão de informações nas auditorias contábeis feitas no extinto Banco Noroeste entre 1995 e 1998. Eles foram acusados de terem se omitido e sido negligentes ao não detectar um milionário desvio de dinheiro que consumiu metade do patrimônio do banco, em um dos mais rumorosos casos de fraude bancária no Brasil.

A ação criminal é apenas uma entre as várias frentes de disputa abertas na Justiça e fora dela pelos mais de 30 representantes das famílias Cochrane e Simonsen, ex-controladoras do Noroeste que, ao venderem seu banco ao Santander, em 1998, se depararam com um gigantesco rombo de US$ 242 milhões nas contas da agência localizada nas Ilhas Cayman, um dos mais notórios paraísos fiscais do mundo.

Nelson Sakagushi, à época diretor financeiro da área internacional por 14 anos, teria maquiado o balanço da agência em Cayman com US$ 190 milhões supostamente nela depositados e os juros incidentes - que, somados, chegam aos US$ 242 milhões.





A fraude foi descoberta apenas em 1998 por causa da auditoria realizada pelo Santander nas contas do Noroeste durante a operação de compra do banco, quando descobriu-se que os US$ 242 milhões não estavam na agência em Cayman.

É justamente a maquiagem do balanço a responsável pelos três processos judiciais relacionados à fraude no banco que a Price responde desde o fim da década de 90 - já que era ela que fazia a auditoria externa dos balanços do banco durante os anos de 1995 a 1998, e que deveria, supostamente, ter percebido o rombo.

Até agora, apenas uma ação judicial foi encerrada. Nela, três auditores da Price foram incluídos entre os réus de um processo por crime contra o sistema financeiro e de lavagem de dinheiro, ao lado de Nelson Sakagushi e de outros executivos do banco. A ação penal ainda não foi julgada pela primeira instância da Justiça Federal em São Paulo, mas a defesa da Price - composta por nomes de peso como os criminalistas Márcio Thomaz Bastos e Arnaldo Malheiros Filho - entrou com um habeas corpus pedindo a exclusão dos auditores do processo. Em março deste ano, a quinta turma do STJ julgou o recurso e entendeu que não é possível imputar aos auditores da Price a responsabilidade pela fraude, já que não eram os gestores do banco e nem os responsáveis pela elaboração das demonstrações contábeis e também não teriam agido em conluio com os fraudadores.

Em uma outra ação, ainda não julgada, as famílias Cochrane e Simonsen pedem na Justiça que a Price as indenize pela suposta falha na auditoria, que os teria levado a ignorar o desvio do dinheiro do banco em andamento entre 1995 e 1998. O valor atribuído à causa em 1999, quando o processo entrou na Justiça, foi de R$ 300 milhões. Os ex-banqueiros e seus herdeiros já perderam a disputa na primeira e na segunda instâncias da Justiça, e agora o caso depende apenas da decisão da quarta turma do STJ, que deve colocar o recurso em julgamento em breve.

Tanto o processo criminal quanto o pedido de indenização contra a Price são baseados em uma decisão do Banco Central (BC), que multou a auditoria por irregularidades como a não-apuração de discrepâncias entre os saldos dos depósitos do banco em moeda estrangeira e os saldos existentes no passivo da agência em Cayman. Por causa dessa falha, a Price foi multada em R$ 100 mil, somados a outros R$ 100 mil por dificultar a fiscalização. No recurso da Price, o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional - o Conselhinho - reduziu as multas para apenas uma, no valor de R$ 50 mil. A multa, no entanto, está suspensa desde 2004, quando a Price recorreu à Justiça para anular a penalidade - aplicada por causa de "falhas no desempenho das atribuições próprias de empresa de auditoria" - e conseguiu uma liminar. A ação que pede a anulação da sanção ainda não foi julgada na primeira instância da Justiça Federal de São Paulo.

Procurada pelo Valor, a Price preferiu não se manifestar sobre a ação penal em que saiu vencedora. O advogado Márcio Thomaz Bastos confirmou a decisão favorável à auditoria e afirmou que ela é definitiva - não cabem mais recursos. O advogado Fernando Loeser, que também defende a empresa, afirma que, no caso do pedido de indenização, a primeira e a segunda instâncias já definiram que a Price fez tudo o que deveria fazer na condição de auditora do Noroeste e que a multa imposta pelo Conselhinho foi aplicada porque "a Price conviveu com determinada atuação do banco" - conduta que, segundo Loeser, não estava entre as supostas irregularidades apresentadas no inquérito administrativo do Banco Central.

As três disputas envolvendo a Price no caso do Noroeste são independentes - ou seja, a absolvição dos auditores da empresa no processo criminal não interfere no resultado do pedido de indenização ou do pedido de anulação da multa imposta pelo Conselhinho. Na prática, é muito mais difícil que se obtenha uma condenação por crime do que uma condenação ao pagamento de indenização, já que a exigência de provas para condenar alguém criminalmente é muito maior. No caso de crimes contra o sistema financeiro, como gestão temerária e omissão, para que haja uma condenação é preciso ficar provado que houve intenção em cometê-los. "Nesse caso, o erro não basta para configurar o crime", explica o advogado criminalista Fábio Tofic, que atua em casos que envolvem o sistema financeiro. O mesmo, no entanto, não ocorre com ações de indenização, que independem do chamado dolo - ou intenção de cometer o crime.

Além da Price, outras empresas são alvo de pedidos de indenização pelos ex-controladores do Noroeste. Ao Lloyds Bank e Citibank na Suíça, eles pedem uma indenização de US$ 120 milhões. Isso porque o valor desviado da agência em Cayman passou por contas abertas nos dois bancos para então chegar às mãos de dois nigerianos que supostamente investiriam os valores na construção de um aeroporto na Nigéria - o que, à época, pareceu um bom investimento para Nelson Sakagushi.

Se na Justiça as famílias Cochrane e Simonsen não conseguiram nenhum resultado concreto até agora, ao menos em termos financeiros, fora dela a situação é inversa. Boa parte do dinheiro desviado - mais precisamente US$ 150 milhões - foi recuperada, ainda que US$ 40 milhões tenham sido deixados nas mãos de advogados. Ou seja, US$ 110 milhões já voltaram às mãos dos ex-controladores do Noroeste - que, para cobrir o rombo, acabaram vendendo seu banco pela metade do preço ao Santanter.

Nenhum comentário:

Postar um comentário