Jonathan Weil é colunista da Bloomberg News.
07/07/2010
Agora que a Suprema Corte dos Estados Unidos disse que a principal autoridade reguladora do setor de auditoria poderá continuar existindo, eis uma questão complicada: Será que ela deve?
O argumento a favor da preservação do Conselho de Supervisão de Contabilidae Companhias Abertas (PCAOB, em inglês) em sua atual forma se enfraqueceu muito.
Na semana passada, o tribunal decidiu que, para a estrutura do conselho ser constitucional, a Comissão de Valores Mobiliários (SEC) precisa ser capaz de demitir seus membros da maneira como lhe aprouver. Antes disso, sob o estatuto que criou o conselho, a SEC somente podia removê-los por uma boa causa, depois de nomeá-los para seus mandatos de cinco anos.
A decisão na verdade transforma o conselho em uma subsidiária integral fora do balanço da SEC. Antes, a comissão tinha principalmente a autoridade para rejeitar as decisões do PCAOB. Agora, ela também tem o poder de dizer ao conselho o que ele precisa fazer. Conforme escreveu o presidente da Suprema Corte John Roberts em sua opinião sobre o caso, "o poder de remover funcionários à vontade e sem justificativa é uma ferramenta poderosa de controle de um subalterno".
A decisão da corte pode soar constitucionalmente sólida sob a separação dos poderes, mas ela provavelmente não é boa para a política pública no que diz respeito à regulamentação dos auditores. Se o conselho em essência não será nada mais que uma divisão da SEC, é difícil justificar por que ele não deveria ser também na forma.
O Congresso americano estabeleceu o PCAOB quando aprovou a lei Sarbanes-Oxley em 2002, tirando da profissão de auditor a autoridade da autorregulamentação. As obrigações do conselho incluem estabelecer padrões de auditoria para as firmas que certificam a contabilidade das empresas com títulos registrados nos Estados Unidos. Ele inspeciona as firmas de auditoria para ver se elas estão enquadradas nesses padrões.
O conselho também tem uma divisão de fiscalização e aplicação da lei que pode fazer intimações e impor ações disciplinares contra as firmas de auditoria por má conduta.
Em condições ideais, a única função do PCAOB que deveria ser em grande parte livre da interferência do governo é a responsabilidade de estabelecer padrões de auditoria, embora isso na prática não ocorresse mesmo antes da decisão da Justiça.
A SEC exige que os padrões contábeis, por exemplo, sejam estabelecidos por um órgão independente. Este é o Conselho de Padrões de Contabilidade Financeira (Fasb), cujos membros são escolhidos por uma fundação privada e sem fins lucrativos. Os padrões de auditoria deveriam receber um tratamento parecido. Ambos os processos precisam ser isolados das interferências políticas o máximo possível, para garantir que eles resultarão em padrões objetivos e justos baseados em análises de especialistas.
Voltando a fevereiro de 2008, pouco depois que Kayla Gillan, um dos membros inaugurais do PCAOB, deixou o conselho depois de um mandato de cinco anos, ela deu uma entrevista à publicação setorial "Compliance Week", em que criticou a SEC por pressionar o conselho a engolir seu padrão de controles internos para as companhias de auditoria. A SEC, então presidida por Christopher Cox, "pressionou, pressionou e realmente tentou muito conseguir algo diferente daquilo" que o conselho acabou produzindo, disse ela.
Agora, a comissão simplesmente pode demitir os membros do conselho que se recusarem a fazer o que ela quer. (Gillan entrou para a SEC no ano passado como consultora sênior.)
Um dos motivos que levaram à criação do PCAOB como corporação sem fins lucrativos foi que assim ele poderia pagar aos seus membros e equipe salários acima dos patamares do governo, embora ele funcione praticamente como uma agência federal. Dobrando-se às pressões dos contadores, o congresso americano também exigiu que o conselho realize grande parte de suas operações em sigilo.
Seus registros internos não estão sujeitos à divulgação, de acordo com a Lei da Liberdade de Informação. As audiências disciplinares são fechadas ao público; os procedimentos são abertos ao conhecimento do público somente depois que uma firma de auditoria é sancionada. E quando o conselho divulga relatórios de inspeções sobre empresas individuais, ele mantém a maior parte de seus conteúdos confidencial, incluindo os nomes das empresas em que constata deficiências nas auditorias das empresas. [Os dois primeiros relatórios de auditorias feitas no Brasil forma divulgados neste mês.]
Isso não é ser um governo aberto. É motivo suficiente para fechar a divisão de fiscalização do conselho, que apenas complementa os esforços da própria SEC. O conselho emitiu apenas 31 ordens disciplinares desde sua criação. Somente uma foi contra uma das chamadas "Quatro Grandes" do setor, a Deloitte & Touche, que pagou uma multa de US$ 1 milhão em 2007, por causa de seu trabalho de auditoria de uma pequena empresa chamada Ligand Pharmaceuticals.
Quanto às inspeções do conselho, talvez elas tenham ajudado a melhorar a qualidade do trabalho de auditoria, talvez não. Como os relatórios de inspeção são sigilosos, não há como o público saber.
Eis minha sugestão para o Congresso: desmanchar o PCAOB - este órgão regulador castrado não conseguirá recuperar o que acaba de perder. Criar uma fundação independente do setor de contabilidade, para supervisionar um novo conselho para o setor privado que estabeleceria padrões de auditoria para os EUA. E colocar outras unidades do PCAOB dentro da SEC, juntamente com as comissões que o conselho recolhe hoje para bancar seus orçamentos.
A qualidade das inspeções das firmas poderá sofrer se os inspetores receberem salários menores. Mesmo assim, o mesmo argumento poderia ser usado para os funcionários de outras agências que fazem trabalhos importantes, como inspecionar as usinas nucleares. Não está havendo pressa em tirá-los do quadro de pagamentos do governo. Os contadores não são melhores que essas pessoas.
Apesar de todos os esforços do PCAOB, ainda tivemos o que aparentemente foram falhas enormes de auditoria na Ernst & Young, que auditou o Lehman Brothers; na PricewaterhouseCoopers, que auditou a Freddie Mac; Deloitte, que auditou a Fannie Mae; e KPMG, que auditou o Citigroup.
Essas companhias e muitas outras foram pelos ares em 2008 ostentando pareceres de auditoria sem qualquer ressalva. Mesmo assim não houve nenhuma explicação pelo PCAOB ou qualquer outro órgão do governo se os auditores dessas firmas fizeram ou não seus trabalhos de maneira apropriada.
Se o PCAOB não consegue fazer nem isso, é hora de reforma.
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