sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Celular é usado como terminal de cartão de crédito

Telefone móvel começa a se firmar como meio de pagamento para lojas, restaurantes e até taxistas

André Borges e Ana Luiza Mahlmeisterm, de São Paulo - Valor Econômico - 04/12/2009 Anna Carolina Negri

Faz poucos dias, o gerente Carlos Gonçalves, responsável pela Casa Santa Luzia, supermercado de luxo localizado no bairro dos Jardins, em São Paulo, recebeu um aguardado e-mail. A mensagem vinha de um consumidor assíduo da loja, que vive em Salvador. Em poucas linhas, o cliente encomendava algumas dúzias de caixas de vinho. Gonçalves fez as contas. Era um pedido de R$ 115 mil. Em outras ocasiões, diz ele, a situação exigiria enviar um boleto bancário para o cliente, esperar que ele fizesse o depósito no banco, aguardar que o valor caísse na conta da loja e, só então, despachar a encomenda. Mas de três meses para cá, as coisas ficaram mais fáceis, diz ele. "Desta vez, eu só tive que pegar o celular. Faturei um pedido de R$ 115 mil pelo celular."

Com o telefone nas mãos, Gonçalves digitou no aparelho o número do cartão de crédito do cliente e seu código de segurança. Alguns segundos depois, recebeu a confirmação da transação pelo próprio celular. "Agora meu cliente só quer pagar com o cartão, porque ele pode acumular milhas."

Há poucas quadras da Casa Santa Luzia, na região da avenida Paulista, o taxista autônomo Osvaldo de Souza também tem usado seu celular para cobrar pelas corridas. "Nunca aceitei cartão de crédito porque aquelas maquininhas custam caro: mais de R$ 150 por mês, sem contar a taxa por cada transação", diz Souza. "Depois que descobri que dava para aceitar cartão usando meu próprio celular, tive que aderir."

Casos como esses começam a se espalhar por todo o país. O telefone celular, depois de virar máquina fotográfica, filmadora, tocador de música, aparelho de TV e minicomputador, também está se transformando em terminal de cartão de crédito. Por trás desse movimento estão as operadoras de cartões Redecard e Cielo (ex-Visanet), que vêm fechando parcerias com operadoras de telefonia e empresas para levar o serviço a lojas e profissionais autônomos. A tecnologia, que começou a ser testada em 2008, tinha 8,3 mil usuários no início deste ano. Hoje, já são mais de 13 mil profissionais.

Transformar o celular em um leitor de cartão é uma tarefa razoavelmente simples. O comerciante preenche um cadastro no site da operadora de cartão e depois baixa um programa em seu celular, que o habilita a realizar a operação. A possibilidade de receber o pagamento pelo aparelho, mostra uma pesquisa do Ibope encomendada pela Redecard, melhorou as vendas de profissionais autônomos, pessoas que, até então, não trabalhavam com cartão porque o valor do aluguel da máquina é alto ou porque tinham dificuldade de transportar o terminal. Dados do Ibope mostram que 39% dos usuários da tecnologia tiveram aumento nas vendas.

Flavia Aracelli, consultora independente de beleza da empresa MaryKay, começou a usar o serviço há seis meses. Moradora de Bragança Paulista, interior de São Paulo, ela faz cerca de 60 vendas por mês e movimenta R$ 4 mil em produtos. "Antes, eu só aceitava dinheiro ou cheque e isso limitava meu trabalho. Hoje, de cada dez vendas que faço, três já são pelo cartão de crédito via celular."

Adaptar os celulares é apenas parte da história. As operadoras, num ritmo ainda mais rápido, também têm se empenhado em converter o celular de seus milhares de usuários no próprio cartão de crédito. "O cartão físico é um produto que funciona muito bem e que está estabelecido, mas há outros tipos de mídia que podem ser complementares e que não deixaremos de oferecer", diz Henrique Capdeville, diretor de planejamento estratégico da Redecard. "O celular já mostrou que pode ser uma ótima opção de compras via internet, por exemplo."

Se depender da propaganda boca a boca, pagar com o aparelho celular pode se tornar uma operação comum em 2010. Os frequentadores do restaurante Arboretto, no bairro do Itaim Bibi, também em São Paulo, ficam curiosos e perguntam como se habilitar para a operação. O restaurante, um dos locais que participam do piloto de pagamento móvel da Visa, conta com um terminal com um leitor óptico. Após aproximar o celular do leitor, o cliente digita uma senha e o lojista conclui a venda, com o cupom fiscal. A proprietária do restaurante, Martha Junqueira, aponta como vantagem a redução na fila, porque a transação é mais rápida e segura, evitando leitura de cartões clonados.

O projeto piloto da Visa conta, na primeira etapa, com 200 portadores de cartão que testam o recurso no celular. Por enquanto, o sistema permite fazer transações com limite de R$ 100. A tecnologia, que permite a transmissão e recepção de dados entre dispositivos próximos, foi lançado em parceria com o Banco do Brasil e Bradesco na Grande São Paulo e em Brasília, em um aparelho da Nokia. No caso da Redecard, um piloto também está sendo realizado com a Vivo e o Itaú.

Percival Jatobá, diretor executivo de produtos da Visa, afirma que, além dessa iniciativa, a empresa deve iniciar em 2010 um projeto de transferência de valores pelo celular, incluindo bancos no exterior. "Só do Japão os brasileiros recebem anualmente em torno de US$ 7 bilhões", afirma o executivo.

O uso do celular nos estabelecimentos comerciais pode agregar outros serviços, como o recebimento de alertas de promoções. O projeto da Visa vai estender-se em 2010. Hoje a Cielo, que trabalha com a bandeira Visa, conta com 1,7 milhão de lojas credenciadas, mas não há previsão de quantas vão aderir ao projeto. Segundo Jatobá, o Brasil tem o segundo maior índice de uso de cartão de crédito com chip, atrás apenas da Inglaterra.

Na Redecard, o número de estabelecimentos habilitados para aceitar o celular para pagamentos no crédito saltou de 1,1 mil em outubro de 2008 para 417 mil até o mês passado. O volume já corresponde a 33% do total de clientes credenciados pela operadora em todo o país.

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