terça-feira, 14 de setembro de 2010

O risco do retorno da CPMF

Valor Econômico
Fabio Giambiagi, economista, escreve mensalmente às segundas-feiras.
13/09/2010

A CPMF é um cadáver insepulto. Quando se julgava que, depois da sua rejeição por parte do Congresso no final de 2007, ela estaria morta e enterrada, eis que o tema ressurge, agora sob a denominação de "Contribuição Social da Saúde" (CSS), que foi rapidamente batizada pelos críticos como "Contribuição Sem Sentido". É importante que haja uma pressão que evite que essa contribuição seja ressuscitada.

Não nos enganemos: os sinais estão aí. A possibilidade de recriação dessa figura tributária vem sendo aos poucos recolocada. Nas críticas recentes lançadas contra a extinção da CPMF no final de 2007, imputando à decisão a responsabilidade pelas dificuldades do setor de saúde, os sintomas de que há um caldo de cultivo para reinserir o tema na agenda são perceptíveis para os olhares acostumados a perceber os movimentos políticos com antecedência.

Caminho leva a uma carga tributária digna da Escandinávia, com serviços públicos dos países pobres da AL

Na economia, como na vida, o que está certo numa época, pode não estar em outra. Foi correto defender a CPMF no governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) naqueles dias difíceis de 1999, quando o tributo foi essencial para o ajuste fiscal da época. Da mesma forma, já no governo Lula, foi fundamental conservar inicialmente a contribuição, em 2003, quando o país ainda não podia se dar ao luxo de abrir mão de uma receita de 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em um contexto em que as incertezas acerca da trajetória da dívida pública ainda não tinham se dissipado. Hoje, porém, os tempos são outros. Não temos que implementar um ajuste fiscal intenso em perspectiva - como em 1999 - nem que enfrentar a ameaça de que a receita despenque sem a CPMF - como no debate de 2003 - uma vez que a CPMF já não é cobrada há anos.

No debate sobre o tema existem duas razões que vêm sendo citadas em defesa do retorno da contribuição - agora CSS - e o elemento comum das duas é que nenhuma é verdadeira. Vejamos quais são:

1) A "desproteção da saúde". O argumento é que, ao ser extinta a CPMF, a saúde, legalmente, teria ficado sem fonte de custeio. A tese é formalmente errada, por uma razão simples: o financiamento da saúde independe da contribuição. O que a Constituição estabelece é que as despesas da saúde a cada ano devem estar no mínimo indexadas ao próprio PIB e ponto, sendo indiferente para isso se elas são financiadas com o imposto X, Y ou Z. Portanto, o argumento não tem amparo na realidade legal; e

2) A suposta deterioração dos recursos para a saúde. Enquanto o ponto anterior refere-se a um aspecto formal, este diz respeito à suposta evolução dos dados fiscais após o fim da CPMF. A tese é que a saúde estaria bem, não fosse a alegada erosão das verbas a ela destinadas, em virtude da extinção da contribuição. Novamente, porém, o argumento não se sustenta. A receita federal, incluindo a CPMF, foi de 23% do PIB em 2007 e, mesmo sem a contribuição, deverá ser de 23% a 24% do PIB em 2010. A observação da tabela indica que, na composição das "outras despesas de custeio" (OCC) da Secretaria do Tesouro Nacional, a despesa com saúde em 2009 - já sem CPMF - foi 18% superior, em termos reais, à de 2007 - quando a contribuição ainda vigorava. Ressalte-se ainda que, nos sete meses transcorridos até julho, em 2010, usando como deflator o IPCA, houve novo aumento da despesa real "per capita" em relação ao mesmo período de 2009. Portanto, a ideia de que a saúde tem menos recursos agora por causa do fim da CPMF é falsa.


Na verdade, o que está em questão não é difícil de entender. A rigor, desde a redemocratização de 1985, há praticamente 25 anos que, com exceção de um ano ou outro, o gasto público primário vem crescendo a taxas superiores às da economia. Em particular, desde 1991 - quando as estatísticas fiscais passaram a ser apresentadas no formato atual - e 2010, o gasto primário do Governo Central terá passado de 14% para 23% do PIB. Entre 1985 e 1994, esse crescimento da despesa foi financiado, na prática, via inflação; entre 1994 e 1998, por meio do aumento da dívida pública; e, entre 1998 e 2010, com mais impostos, no que a interseção entre a ciência política e as finanças públicas define como modelo de tipo "gaste e tribute". Agora, está na hora de colocar um limite nessa tendência, sob pena de um país de renda média como o Brasil ficar com uma carga tributária digna da Escandinávia, com serviços públicos em muitos casos próprios dos países pobres da América Latina.

O setor público no Brasil precisa viver dentro dos seus limites. Desde 1999, o país acostumou-se à noção de que há uma restrição orçamentária a ser respeitada e tem tido superávits primários sucessivos. Agora, chegou o momento de aprender que existe também uma restrição tributária e que não é possível aumentar a carga tributária indefinidamente.

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