terça-feira, 25 de setembro de 2012

Análise fundamentalista: quando menos é mais

Análise fundamentalista: quando menos é mais Por: André Rocha, analista certificado pela Apimec e atua há 20 anos como especialista na avaliação de companhias. As demonstrações contábeis são uma das principais fontes de dados para a análise fundamentalista. Contudo, a migração para o padrão contábil internacional IFRS, a falta de padronização entre as companhias de um mesmo setor, indefinições fiscais e balanços manipulados têm tornado o trabalho do analista mais árduo. Reduzir o número de companhias analisadas parece ser a solução. A análise fundamentalista se baseia em variáveis macroeconômicas (perspectivas para a taxa de câmbio, inflação e juros) e microeconômicas, como as demonstrações contábeis das empresas. Além disso, é importante estar atento às decisões dos diversos governos, pois estas podem afetar o desempenho dos preços das ações como, por exemplo, a política monetária expansionista dos Estados Unidos e programas públicos que fomentem a demanda de um determinado setor como o Minha Casa, Minha Vida. A avaliação das empresas pode ser quantitativa ou qualitativa. Na primeira, tenta-se chegar ao valor da companhia com base em algumas métricas, como a do fluxo de caixa descontado ou de múltiplos como o P/L (preço por lucro), FV/EBITDA ou P/VPA (preço por valor patrimonial). Na qualitativa, os analistas, por intermédio de conversas com a administração, fornecedores e clientes, tentam avaliar se a estratégia adotada pela companhia é a mais adequada. Na análise quantitativa, as demonstrações contábeis são vitais, especialmente para cálculo dos múltiplos. A tarefa que sempre foi complexa se encontra a cada dia mais difícil. A adoção do padrão internacional de contabilidade IFRS tem por mérito padronizar as demonstrações financeiras dos diversos países. Além disso, o IFRS privilegia o conceito sobre a forma, ou seja, o balanço deve refletir, de forma fidedigna, a situação patrimonial em um determinado instante e não simplesmente atender a obrigações fiscais ou legais. Por exemplo, a taxa de depreciação de um bem deve refletir a vida útil esperada e não obedecer apenas a uma definição legal. Por que, por exemplo, a taxa de depreciação de um veículo tem que ser sempre de 20% ao ano? Embora a ideia seja louvável, ela aumenta o poder de discricionariedade da administração para definir os seus parâmetros. Assim, por exemplo, algumas empresas do segmento de shopping centers têm atualizado anualmente seus ativos pelo valor de mercado enquanto outras não. Assim, as primeiras tendem a apresentar lucros maiores e múltiplos menores, logo mais atrativos. Alguns sistemas de dados divulgam os múltiplos de diversas empresas tomando por base os dados contábeis reportados. Se o analista não estiver atento às diferentes abordagens adotadas pelas empresas pode chegar a conclusões equivocadas. São necessários ajustes para tornar os múltiplos comparáveis. Poderia citar ainda a sistemática contábil adotada pelo setor de construção civil chamado de "percentage of completion". Por ele, a receita é contabilizada levando-se em conta as vendas e o ritmo da construção. Assim uma companhia que tem um ciclo construtivo menor tende a apresentar receita na demonstração de resultados de forma mais rápida do que outra que atenda a um cliente de maior poder aquisitivo, cujo empreendimento demora mais a ser construído. Por exemplo, como comparar os múltiplos de Direcional (DIRR3), companhia focada na baixa renda, com os de Eztec (EZTC3), que não constrói casas populares? E mais, como comparar esses múltiplos com os de outros setores? É necessário fazer ajustes. Isso sem contar que a contabilização é baseada na estimativa de rentabilidade dos projetos definida pela companhia. Se, no fim da obra, a rentabilidade for menor, o lucro tende a ser fortemente impactado. Outra consequência da adoção do IFRS tem sido o aumento do tamanho das notas explicativas. É fundamental lê-las de forma a entender o princípio empregado por cada companhia. Além disso, o governo, para evitar que o novo padrão contábil afetasse a carga tributária, criou o Regime Tributário de Transição (RTT). O governo agora pretende pôr um fim no RTT. Uma das principais controvérsias geradas com a extinção do RTT é se o benefício fiscal da amortização do ágio perdurará. O que é isso? Quando uma companhia adquire outra, a diferença entre o valor pago e o valor contábil é chamada de ágio e pode ser amortizada em um período de cinco a dez anos. Esse ágio reduz a base tributária para cálculo da CSSL e do Imposto de Renda. Pelo IFRS, o ágio é dividido em três parcelas. Uma delas representa o "goodwill" que seria a estimativa de ganho derivado da expectativa de rentabilidade futura. Pela proposta apresentada pelo fisco para edição da medida provisória que porá fim ao RTT, o "goodwill" não poderá ser amortizado fiscalmente. Em suma, o ágio que era calculado por uma simples conta de subtração (valor pago menos valor patrimonial) e gerava um benefício fiscal garantido, envolve agora cálculos mais complexos e suscita incertezas sobre a extensão do ganho fiscal. Por fim, se o novo padrão já traz incertezas, a imprensa tem noticiado casos de bancos que tiveram seus balanços fraudados, o que diminui ainda mais a credibilidade das demonstrações contábeis. Além das dificuldades levantadas anteriormente, o número de empresas listadas cresceu desde 2004. Quais gestoras e corretoras serão vitoriosas nesse novo cenário? No caso das gestoras, tendem a vingar aquelas que apresentem um número maior de profissionais ou as casas que restrinjam seu foco de análise a poucas companhias. Já as corretoras têm uma tarefa árdua. Elas têm como objetivo cobrir o maior número possível de companhias. Contudo, analistas que cobrem mais de doze companhias tendem a apresentar análises cada vez mais superficiais e incompletas. Até porque o trabalho desses profissionais não se restringe à análise, havendo diversas outras atribuições como participar de eventos corporativos, contatos com clientes e viagens. Uma solução seria aumentar o número de analistas. Mas como, se a geração de receita com corretagem mal tem coberto os custos operacionais e de investimento?

Nenhum comentário:

Postar um comentário